terça-feira, 9 de novembro de 2010

NÓ NA LÍNGUA


Outro dia, a memória me fez recordar um acadêmico do curso de direito (hoje, adêvogado), uma figura jovial, esguia e de andar que buscava ares de elegância. Posto naquele paletó sob medida, sob medida mesmo! Segurando alguns finos livros que trazia sempre como uma espécie de patente do saber e com aquele olhar perscrutador da vida e das pessoas, pois bem, esse sujeito, amante das boas e corretíssimas palavras da Língua Portuguesa, fez questão de me corrigir ao ouvir o que lhe pareceu uma cacofonia, uma tragédia, um desarranjo total do falar coloquial que tanto desprestígio traz a nossa língua mater. Eu acabara de afirmar que minha "pasta de dentes" era a branquinha Colgate!!! Ixiiiiiiiiiii danou-se! O candidato a doutor se apressou ao repetir a mesma frase, com leve tom de correção, desses que faz a gente sentir um misto de vergonha e culpa. Vergonha de estar diante de outros espectadores atestando meu malogro linguítico; culpado, de não ter prestado atenção no rótulo da embalagem onde se lê: creme dental. Foi exatamente aí que decidi nunca mais falar errado. De repente estava eu, entricheirado entre livros e mais livros, dicionários da Língua Portuguesa, Simiótica e tanto me punha a estudar que falar difícil parecia me garantir um status fora do comum.
Tolices! Meus excelentes professores me fizeram ver a razão de tudo isto. O importante não é falar difícil, rebuscado, empolado, latinizado. Não! O importante é se deixar compreender através das formas claras e sublimes da linguagem, de modo a produzir uma comunicação próxima, eficaz, direta, objetiva em todos os seus contornos.
Hoje, percebo que o falar difícil até nos ciclos intelectuais mais fechados não passa de pura vaidade e que o mundo da comunicação tende cada vez mais a simplicidade das formas daquilo que está sendo dito. Até o jargão médico e jurídico, outrora inacessível a corrente comum do pensamento popular passa por uma crescente simplificação dos termos linguísticos. E besta é quem insiste em permanecer na obscuridade do discurso, gastando seu latim à toa, sem se fazer entender senão por ele mesmo.
Após meses trabalhando ao lado de um homem simples, pacato, ordeiro, pontual, um senhor experiente, vivido, conciliador, conselheiro, numa de nossas frequentes conversas ele falou que era juiz. Eu o ouvi fazer menção aos itens de suas compras no supermecado, uma delas, a tal "pasta de dente".

JB Nunes.

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