sexta-feira, 13 de agosto de 2021

APRESENTO-LHE O MUNDO ATUAL


Se você está aqui nesta página lendo esse texto é porque, de alguma forma, escolheu tomar a pílula vermelha ao invés da azul, oferecida por Morpheus[1]. Nesse caso, seja bem-vindo(a) ao mundo real! 

Uma das primeiras referências ao mundo VUCA está em um artigo de 1992 no Journal of Management Development, intitulado “Developing strategic leadership: The US Army War College experience” (Desenvolvimento de liderança estratégica: a experiência do Colégio de Guerra do Exército dos Estados Unidos [Fonte: Centro de Ensino Empresarial da Fundação Getúlio Vargas - https://blog.ceem.com.br/]).  

Um time de especialistas em comportamento humano, sociedade e tendências financeiras mundiais deu vida ao acróstico[2] VUCA, sigla que em inglês significa VOLATILITY, UNCERTAINTY, COMPLEXITY,  AMBIGUITY; que no português se traduz por: VOLATILIDADE, INCERTEZA, COMPLEXIDADE, AMBIGUIDADE. Essa descrição parece ser tão precisa que se pudesse ser transformada em imagens então, teríamos uma selfie de mundo atual.

Então, vamos lá. Por favor, afivele seu cinto, acomode-se, a previsão da viagem é de 5 minutos de leitura. 

A primeira palavra que compõe o acróstico é volatilidade. O dicionário Houaiss (2020) traz a etimologia: do latim volatìlis,e 'que tem asas, que voa'. Tomada em seu sentido figurado, é subjetivo, que voa como as aves, voa como o tempo, como nas expressões usuais. 

Talvez quem melhor se aprofundou numa amostragem do quão volátil é o mundo das pessoas e das coisas tinha sido o filósofo e sociólogo polonês Zygmunt Bauman [3], autor da expressão sociedade líquida, para designar uma superestrutura social fluída, fugaz, efêmera, onde nada foi feito para durar, tudo é transitório sejam as relações sociais, sejam as coisas de que tanto nos vangloriamos. Tudo se encaixando perfeitamente num estado liquefeito, flexível, portanto, volátil.

Ao utilizar a ideia de que ninguém se banha duas vezes no mesmo rio, Heráclito de Éfeso (535-475) afirmava que "tudo flui e nada permanece", tudo é um "devir", movimento, mudança, impermanência. O mundo sempre foi uma constância cíclica, mas, as transformações do mundo atual são rápidas, incalculáveis e fluídas. Voláteis, por assim dizer.

A segunda palavra, incerteza. "Incerteza é um termo usado, com diversos significados, em muitos campos, incluindo filosofia, física, estatística, economia e finanças, psicologia. Pode referir-se a uma situação em que não se pode prever exatamente o resultado de uma ação ou o efeito de uma condição"[4].

O mundo atual definido em termos de incerteza implica dizer que experiências passadas, tomadas como referências, fatos históricos, projetos e ideias que funcionaram, já não servem mais como parâmetros, sendo cada vez mais impossível de se estabelecer previsões acerca de cenários locais, regionais e internacionais, não se tendo condições de também se antecipar eventos.

"Com isso, está se tornando quase impossível planejar investimentos, desenvolvimento e crescimento à medida que se torna cada vez mais incerto para onde o trajeto está levando."

A incerteza é fenômeno que atinge não apenas o mundo das macropolíticas estratégicas nem apenas dos conglomerados econômicos, mas também, na própria vida social, nas afetações de influências sociais produzidas pelas grandes mídias que direcionam inteligências manipuladoras de massas que acabam por reforçar novos modelos e comportamentos que convergem para desajustes sociais que vão desconstruindo as antigas bases nas quais se sustentavam as sociedades.

Complexidade é terceira palavra da lista. A complexidade do mundo atual atingiu um patamar de extremada grandeza, fenômeno que especialistas traduzem numa perspectiva de dados.  Wolfgand Fengler afirmou certa vez, que "existem mais dados no mundo do que grãos de areia. O grande desafio é interpretá-los e tirar um sentido deles."

Houve o tempo em que toda a riqueza do mundo, por exemplo, era definida em termo de barris de petróleo, hoje, pode-se afirmar que são os dados. 


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[1] MorpheusMorpheus é um personagem fictício da franquia The Matrix. Ele é retratado por Laurence Fishburne, numa trama instigante que realça a natureza de uma guerra entre homens e máquinas, num campo de batalha dual, entre o mundo real e o virtual. A pílula azul, permitia que a pessoa permanecesse no mundo de ilusão no qual jaz a grande maioria; se optasse pela pílula vermelha, despertaria para a verdadeira realidade, um despertar traumático, porém, verdadeiro. Optando viver no mundo virtual, das aparências e sensações, Cyfer, um personagem secundário da trama, que trai seus companheiros e a causa, diz: "a ignorância é uma dádiva...".

[2] Acróstico - De acordo com o Dicionário Houiss, o vocábulo 'acróstico', vem do gr. akrostikhís,ídos 'peças em que as iniciais de cada verso reunidas formam um sentido', prov. por infl. do fr. acrostiche 'id.'

[3] Zygmunt BaumanZygmunt Bauman (1925-2017) foi um sociólogo e filósofo polonês, professor emérito de sociologia das universidades de Leeds e Varsóvia. Autor das obras: Modernidade e Holocausto (1989); Modernidade Líquida (1999); Amor Líquido (2003); Tempos Líquidos (2007).