sexta-feira, 30 de janeiro de 2015

APOLO E DAFNE


Apolo era considerado um ás da pontaria*, desde que abatera a serpente Tifão, a fera que perseguia sua mãe, Latona, quando era inda um deus pequeno. Um dia caminhava pela estrada que margeava um grande bosque, quando se encontrou com Cupido.

O jovem deus filho de Vênus, estava treinando sua pontaria, solitariamente, em cima de uma pedra.

Sem ser notado, Apolo parou para observar a postura do jovem. Com um dos pés escorado sobre uma saliência da rocha, o deus do amor procurava ganhar o máximo de equilíbrio para assestar com perfeição sua pontaria. Seu braço esticado, que segurava o arco, era firme sem ser demasiado musculoso; o outro, encolhido, segurando a flecha, tinha o cotovelo apontado para suas costelas, enrijecendo o seu bíceps; todo o conjunto, desde o porte até a dignidade dos gestos, demonstrava grande elegância, e mesmo os músculos das pernas pareciam distendidos, como a corda presa às duas extremidades do arco.

Apolo não conseguiu deixar de sentir uma certa inveja diante da graça do seu involuntário rival. Não podendo mais se conter, saiu das sombras e revelou ao deus do amor a sua presença.

- Olá jovem arqueiro! Treinando novamente sua pontaria? - disse Apolo, pondo um indisfarçável tom de ironia na voz.

- Sim! - disse o Cupido, sem virar o rosto para o outro. - Quer treinar um pouco, também?

Apolo, imaginando que o outro debochava dele, reagiu com inesperada rudeza:

- Ora moleque! E quem vai me ensinar alguma coisa? Você?

Cupido, guardando suas setas, já se preparava para se retirar, quando Apolo o provocou novamente:

- Vamos, treine, treine sempre. garotinho, e um dia chegará a meus pés. Disse o deus solar, com um riso de aberto de triunfo.

Cupido, no entanto, revoltado, com a presunção do deus, sacou de sua aljava duas flechas: uma de ouro e outra de chumbo. Seu plano era acertar em cheio o peito de Apolo, com a primeira flecha. 

- Vamos provar agora um pouco de minha má pontaria! Disse o deus do amor mirando o coração de Apolo.  

Num segundo a seta partiu, assobiando ao vento e indo cravar-se no alvo com perfeita exatidão. Apolo, sem perceber o que o atingira no peito - pois as flechas do deus do amor tornam-se invisíveis assim que atingem suas vítimas - ,sentou-se ao solo, abatido por um langor nunca antes sentido.

Mas o Cupido ainda não estava satisfeito. Por isso, enxergando Dafne, a filha do rio que se banhava no rio Peneu, mirou no coração a segundo flecha, a da ponta de chumbo, e a disparou. Enquanto a primeira seta provocava o amor, esta endereçada a Dafne, provocava a repulsa. Assim, o Cupido dava início sua vingança.

- Divirta-se, agora! - Disse o Cupido, sumindo-se no céu com seu arco. Apolo, após recuperar suas forças, ergueu-se e entrou no bosque, como que impelido por alguma atração irresistível. Tão logo atravessou as primeiras árvores, seus olhas caíram sobre uma bela ninfa, que secava os cabelos, torcendo-os delicadamente com as mãos.

- Se são belos assim em desalinho, como não serão arrumados? - Perguntou ele, já dominado pelo amor.

A ninfa, escutando a voz, voltou-se para o lugar de onde partira. Assustada ao ver que aquele homem de louros cabelos a observava atentamente, juntou suas vestes e saiu correndo, mata adentro. Apolo, num salto, ergueu-se também.

- Espere, maravilhosa ninfa! Quero falar com você.

Nunca em sua vida Dafne havia sentido tamanha repulsa por alguém como sentira naquele ocasião pelo majestoso deus solar. O pior e mais feio dos faunos não lhe parecia no momento mais odioso do que aquele homem que a perseguia com fúria.

Afaste-se de mim! - Gritava Dafne, enojada. Apolo, acostumado a ser perseguido por todas as mulheres, via-se agora repelido de forma tão definitiva.

- Por que foge assim de mim, ninfa encantadora? - dizia sem compreender. Sem saber como agir diante de uma situação  tão inusitada, o desnorteado deus pôs-se a falar de si, de sua beleza tão elogiada por todos, de seus dotes, suas glórias, seus tributos e as infinitas vantagens que Dafne teria em juntar-se a ele, o mais cobiçado dos deuses. Mas o mais belo dos deuses desconhecia um pouco a mentalidade feminina, senão teria falado mais da bela deusa em vez de falar de si próprio.

Ao perceber que a corrida desenfreada da jovem acabaria por deixá-la extenuada, o deus gritou:

- Espere, diminua o seu passo que diminuirei também o meu! A ninfa reconhecendo a gentileza de seu perseguidor, diminuiu um pouco seu ritmo.

Apolo, no entanto, que diante da diminuição da distância vira aumentar os encantos da sua amada, acelerou involuntariamente o seu passo, renovando o terror na amedrontada Dafne.

- Mas que canalha!!! - Indignou-se a ninfa, tomando novo impulso para a corrida, mas já estava exausta e não era páreo para Apolo, o deus do astro que jamais se cansa de percorrer o Universo, todos os dias.

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*Apolo: Também chamado de Febo (Brilhante), na mitologia grego era considerado um deus da juventude e da luz. Filho de Zeus e da titã Latona. Tinha uma irmã chamada Ártemes, conhecida pelos romanos como Diana, a deusa da caça. Reza a lenda que Apolo e sua irmã nasceram na ilha de Delos onde sua mãe se refugiou para se esconder de Hera, a esposa de Zeus. Apolo era considerado um arqueiro de grande habilidade. Apenas com um ano de idade seguiu a serpente Piton que era inimiga de sua mãe e a matou com flechadas.

sábado, 24 de janeiro de 2015

MUNDO DO TRABALHO: VALORIZANDO AS PESSOAS



O mundo do trabalho presentificado em nossos dias caminha cada vez mais rápido para a compreensão de que a micro e a macroeconomia é processada pelo indivíduo num contexto da coletividade. Ou seja, o entendimento de que os seres humanos são distintos em termos de necessidades, expectativas e capacidades, "que se alteram ao longo do tempo em virtude de múltiplas variáveis" (Zanelli, 2004) refinam a visão da importância da valorização das pessoas. Um ponto relevante para a gestão de pessoas nas organizações.

Nesse prisma, permitam-me aprensertar-lhes dois grandes autores Willis Harman e John Hormann que, na obra O Trabalho Criativo (1997) aborda a temática de maneira atualizada e, sem dúvida, indispensável às nossas considerações. 

Harman cobriu duas guerras mundiais e uma guerra fria; com três carreiras distintas e ampla experiência junto ao Instituto de Pesquisas Stanford que lidera com a investigação de futuros e planejamento estratégico. Hormann, por sua vez, da Fundação Shweisfurth, de Munique, após uma trajetória de sucesso na IBM, dedica-se com os estudos na abordagem do "pensamento causalista", conceito criado por ele para analisar as estruturas da realidade global, assim como os processos dinâmicos das mudanças sociais.

Esses autores apontam como características imprescindíveis da nova sociedade organizacional emergente a valorização das pessoas. Paul Hawken, empresário bem sucedido, citado como um dos inúmeros exemplos dessa linha de pensamento afirma que "a qualidade que mais lhe interesse é o 'coração da pessoa'. É uma boa pessoa? Gosta dos outros? Está pronto a ajudá-los e trabalhar com eles harmônica, solidária e cooperativamente? Seu trabalho expressa essa qualidade?"

A nova configuração do mundo do trabalho tem focado a busca por competências multifacetada com vistas a excelência. É o que discorre Moller (1992) em O Lado Humano da Qualidade para quem a qualidade pessoal é a base de todas as outras qualidades. Ele chega a afirmar que "o futuro de uma empresa ou organização depende desse item fundamental para satisfazer os requisitos de qualidade do mundo exterior."

A qualidade pessoa, é claro, depende de uma série de fatores inerentes à pessoa onde a inteligência não é suficiente. 

O psicólogo Robert Sternberg, da Yale, citado por Caproni (2003), concorda que nem sempre as pessoas bem sucedidas são as mais inteligentes, tecnicamente proficientes ou as que têm melhor nível de escolaridade. Ele argumenta que a "inteligência bem-sucedida" vai além da inteligência cognitiva (o quantum de conhecimentos teóricos e técnicos) para incluir a que denomina de "inteligência criativa e prática. 

De acordo com Sternberg (op. cit.) "pessoas com inteligência prática sabem como alavancar sua inteligência cognitiva aplicando o que aprendem de maneiras novas e criativas." O resultado: outras pessoas consideram útil e fascinante.

A pesquisa de Daniel Goleman sobre inteligência emocional no trabalho corrobora para a conclusão de Sternberg, de que apenas a inteligência cognitiva é insuficiente para prognosticar o sucesso de pessoa.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


HARMAN, Willis; Hormann, John. O Trabalho Criativo. O Papel Construtivo dos Negócios numa Sociedade em Transformações. São Paulo: Cultrix, 1997.

MOLLER, Claus. O Lado Humano da Qualidade. Maximizando a Qualidade de Produtos e Serviços Através do Desenvolvimento das Pessoas. São Paulo: Pioneira, 1992.

ZANELLI, Carlos José (Org). Psicologia, Organizações e Trabalho no Brasil. Porto Alegre: Artmed, 2004.

sexta-feira, 23 de janeiro de 2015

RUI, A ÁGUIA DE HAIA


Eis ai um grande brasileiro que a História Nacional não irá esquecer, dentre tantos filhos ilustres desta terra. Cultíssimo, jurista de larga nomeada, advogado corajoso, gozava de uma imensa popularidade. Seu nome havia sido indicado pelo Barão do Rio Branco para representar o Brasil na 2º grande Conferência Internacional de Paz em Haia, Holanda em 1907.

Intelectual, um erudito. Rui após mobilizar a opinião pública brasileira quanto a questão do Acre, submetida a arbitragem internacional, defendida pelo amigo Rio Branco, demonstrara espírito indomável, posições pétreas, como de quem não volta jamais atrás acerca de suas palavras.

Seu ego robustecido pela erudição, sofrera uma das mais antigas (e ao mesmo tempo atual) de todas as lições a que os grandes homens deveriam trazê-las inscritas em seus corações: a da humildade de espírito.

A história mostrou que o Rio Branco estava certo em todas as suas postulações e venceu do modo surpreendente a questão para o Brasil recebendo o louvor de todos os brasileiros e nesse episódio, além de Rui não ter outra saída senão admitir que estava completamente equivocado, demonstrou que a voz da maioria sem sempre é a correta e justa.

O próprio Rio Branco, enfim, com grande demonstração de espírito público e ser humano, sem resquício algum de ressentimento, indicou o nome de Rui para essa tão grande e honrosa missão.

Rui relutou muito. Já com seus 58 anos e a saúde precária desde a mocidade, ainda sentindo os reflexos de seus esforços junto ao Ministério da Fazenda, das campanhas pela legalidade e pelo Estado de Direito na era florianista, do trabalho, na réplica às observações de Carneiro Ribeiro ao seu Parecer sobre o Código Civil. Mas quanto a essa nova missão não tinha dúvida. Sabia que era capaz.

Naturalmente tinha consciência de que em Haia iria lidar com grande nomes internacionais, diplomatas experientes, tendo por trás de si Estados poderosos.

Mesmo em épocas tão pretéritas da política das Relações Exteriores e do direito internacional brasileiro, já se podia sentir o peso do marketing pessoal. Rio Branco habilmente preparava o caminho de seu embaixador. Mandou Joaquim Nabuco à Europa, espalhar a fama do representante brasileiro. Vários perfis de Rui, meses antes de sua ida eram publicados em jornais europeus. 

No navio, rumo à Europa, Rui fez amizade com o representante argentino, Luis Maria Drago, que contribuiu para colocá-lo a par das tendências fundamentais da Conferência. Ao chegar em Haia, o embaixador brasileiro, conselheiro Rui Barbosa, estava pronto para a luta.

E ela seria tremenda. Ignorado de início pelos representantes das grandes potências, Rui parecia falar em vão. Os presentes pareciam indiferentes aquela figura, discursando ao vento. Uma sensação de frustração invadiu seu ser. Mas ele buscava se fortalecer a partir das correspondências trocadas com o Barão, animando-o: não desista!

Ele soube se impor, apesar de o acharem meio arrogante, um homem franzino tentando dar lições à velha Europa. 

No dado momento das discussões, chamaram-lhe a atenção pelo que consideravam sua opinião política incompatível com a conferência de Paz, pelo que Rui se levantou e, todos perceberam sua imensa palidez, ia falar. 

Aos borbotões saiu-lhe o discurso, em francês, defendendo a opinião antes emitida. Em nome dos povos fracos e da própria noção de paz internacional, justificava a intromissão da política na Conferência. Não seria política, afinal, a absoluta ausência de debate político a que as grandes potências pretendiam sujeitar o conclave? Exaltou-se, falou como nunca antes falara, cercado do silêncio pasmo e admirativo de todos, Ao fim, não bateram palmas, mas Mr. Barbosa mudara de dimensão. Era agora, pessoalmente, um dos grandes.

Daí em diante, foi sucesso. Colocaram-no na Comissão dos Sete Sábios. Ouviam com atenção suas palavras. Contra a discriminação militarista ergueu-se a voz de Rui Barbosa defendendo a igualdade jurídica dos Estados. "Todos os países eram iguais perante a ordem internacional."

Rui defendeu com maestria o princípio básico: "todos são iguais perante a lei". E com isto inovava radicalmente na teoria política internacional. Como não podai deixar de ser, essa revolução não foi bem aceita de início. Mais, relutantes, as grandes potências tiveram que ceder, constrangidas pelos rumos das discussões que, levadas a efeito por Rui, chamaram atraíram a atenção da opinião pública internacional.

Aquela 2º Conferência Internacional pela Paz, de Haia, não resultou em grandes avanços, mas Rui se notabilizou perante os grandes debatedores, tidos inicialmente como baluartes do encontro. Ao chegar no Brasil, em grande festa, chamaram-no de "A Águia de Haia."

João Batista Nunes
Psicólogo Organizacional, Acadêmico do Curso de Direito e Pós-graduando em Gestão de Recursos Humanos. João Pessoa, Estado da Paraíba, Brasil.

quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

PARA COMEÇAR DIGA A QUE VEIO


Falar em público não é fácil. Há pessoas que falam para públicos variados de forma envolvente e descomplicado, levando-nos quase sempre a pensar que toda aquela desenvoltura é um dom. Mas não é. Tal pessoa percorreu um longo e metódico caminho para atingir determinado grau de satisfação. 

O primeiro grande obstáculo no caminho de quem quer ou precisa inevitavelmente falar em público é o medo. Se servir de estímulo, todos os que enfrentam auditórios repletos de olhares esperando ouvir algo concreto da pessoa, têm medo. Anormal seria se não sentisse aquele friozinho na barriga diante de certos desafios como o de falar para tantos espectadores. 

Mas, sem dúvida alguma, falar ao público é uma, sobretudo, uma arte. E por isso precisa ser desenvolvida, aperfeiçoada tendo sempre em mente que não podemos nos deixar se pegos pelo improviso. 

Houve tempo em que falar em público utilizando-se de todos os recursos da boa oratória para atingir determinado fim era fator de grande importância. E isso nos remete às origens greco-romana.

A arte da oratória, fundamentada em princípios disciplinadores de conduta, teve origem na Sicília, no século V a.C., através do siracusano Corax e seu discípulo Tísias. De acordo com o emérito professor Reinado Polito (1995) existia uma anedota sobre o aprendizado de Tísias. Quando Corax lhe cobrou as aulas ministradas, Tísias recusou-se a pagar, alegando que, se fora bem instruído pelo mestre, estava apto a convencê-lo de não cobrar, e, se este não ficasse convencido, era porque o discípulo ainda não estava devidamente preparado, fato que o desobrigava de qualquer pagamento.

Eles publicaram um tratado, ou technê, que não chegou aos nossos dias, mas sobre o qual vários autores se referiram. O próprio Aristóteles atribuiu-lhes o mérito de iniciar a retórica. 

Corax escreveu esta obra para orientar os advogados que se propunham a defender as causas das pessoas que desejavam reaver seus bens e propriedades tomados pelos tiranos. Era um tratado prático, cujos ensinamentos se restringiam à aplicação nos tribunais. Segundo Corax, o discurso deveria ser dividido em cindo partes: o exórdio, a narração, a argumentação, a digressão e o epílogo.

Mas, foi em Atenas que a arte oratória encontrou campo fértil para o seu desenvolvimento. Os sofistas foram os primeiros a dominar com facilidade a palavra; entre os objetivos que possuíam visando a uma completa formação, três eram procurados com maior intensidade: adestrarem-se para julgar, falar, agir. Os sofistas desenvolviam seu aprendizado na arte de falar, praticando leituras em público, fazendo comentários sobre os poetas, treinando improvisações e promovendo debates públicos.

Górgias, importante retor grego, transmitiu seus conhecimentos a muitos oradores, e um de seus discípulos, Isócrates, que viveu de 436 a 338 a. C., implantou a disciplina da retórica no currículo escolar dos estudantes atenienses. Isócrates ampliou o campo de estudo da oratória, não se limitando apenas à retórica, pois associou a ela boa parte da filosofia socrática, assimilada na época em que foi discípulo de Sócrates.

Com todo esse método que a História lhe creditou, Isócrates apresenta uma interessante singularidade: nunca proferiu um só discurso, apenas estudou sua técnica e os escreveu. Isto porque sua voz era deficiente para a oratória e alimentava pavor incontrolado pela tribuna.

Nesta mesma época, século IV a.C., encontramos outro estudioso da retórica, Anaxímenes de Lâmpsaco, que apresentou grandes contribuições para a compreensão desta arte, principalmente quanto a sua divisão. Suas observações levaram-no a classificar a retórica em três gêneros: demonstrativo e judiciário. Esta classificação foi aproveitada e estruturada objetivamente por Aristóteles. 

QUESTÕES PRÁTICAS

Para começar, pratique a leitura buscando familiarizar-se melhor com sua voz. Pratique a entonação correta, a impostação, o controle da respiração durante a leitura.

Pratique ensaios no espelho buscando corrigir erros na gesticulação. Utilize as divisões básicas do discurso. Em apresentações pré-agendadas, treine todos os passos. Familiarize-se com o local, com os recursos eletrônicos disponíveis, incluindo o manuseio correto e sua funcionalidade.

João Batista Nunes
Psicólogo Organizacional
Acadêmico do Curso de Direito

quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

DEPUTADO PE. ARISTIDES FERREIRA DA CRUZ



Os idos de 1926 no interior do sertão da Paraíba foram marcantes pelos acontecimentos sociais, políticos e religiosos que se desenrolaram de forma pulsante culminando com um final trágico tendo como protagonista a Coluna Prestes e o assassinato de um grupo de cidadãos da conturbada cidade de Piancó, entre as vítimas do massacre seu principal personagem: o Pe. Aristides.

O cenário era tipicamente cristalizado por flagelos históricos reprodutores de uma dura realidade. O interior do Estado era dominado pelas famílias tradicionais, muitas delas com poderes originados no Brasil Império, com ramificações em vários estrados de influencia política. A seca inclemente castigava de forma assoladora com a estiagem prolongada fazendo a vegetação, a estrada empoeirada e as ondas de calor tremulando sobre as pedras, o conjunto desesperançoso. Por todos os lugares o banditismo imperava, com ameaças constantes entre cangaceiros e cabras sob o comando de coronéis das inúmeras seismarias. Era tempo do Presidente da República Epitácio Pessoa, Presidente da Parahyba João Suassuna, Senador Venâncio Neiva e tantos outros expoentes da cena política.

Na Assembleia Legislativa, não poderia passar despercebido o Deputado Padre Aristides, defensor de Piancó. Muito desse personagem foi narrado por Manoel Otaviano no livro "Os Mártires de Piancó" (editora Teone S.A., 1955).

Padre Aristides Ferreira da Cruz, à época dos grandes conflitos sociais, não era de frequentar a imprensa, porque escrevia mal a lingua vernácula; não era de se preocupar com a prosódia de certos vocábulos e muito menos com a correção de frases. Em Piancó, foi pároco por longos anos de intenso trabalho de restruturação da sede da igreja e reformas nas paróquias locais. Foi amigo da família mais tradicional da região e grande força política do sertão, a família Leite, tendo como chefe o Dr. Felizardo Leite.

Depois de algum tempo, rompeu com os Leites prometendo lutar enquanto houvesse força para destroná-los do poder e apagar-lhes os nomes da história política de Piancó. Travaram-se intensos debates e campanhas políticas as mais baixas e infamantes possíveis de ambos os lados. Ora acusado de manter em sua casa grupos de jovens com os quais fazia verdadeiras orgias, ora acusado de desencaminhar uma moça que mantinha em casa e com a qual tivera uma filha, acabou por fim sendo afastado pela Diocese da Paraíba de seus atividades como pároco.

Sentindo-se injustiçado pelas acusações, revolveu oficializar sua relação com a mulher com quem teve quatro filhos. Ocupou seu primeiro mandato como deputado estadual com grande prestígio e apoio de seus correligionários. Mandava empregar seus seguidores na região de Piancó, perseguia tenazmente seus opositores, afastava delegado, prendia, mandava soltar, intervinha nos despachos e decisões do juiz da cidade formulando as próprias sentenças de acordo com as suas próprias conveniências. Não perdia oportunidades, incutia nas mentes dos que eram alvos de sua propaganda que era preciso e urgente acabar de vez com a "velha política do 'eu posso, eu quero e eu mando', a velha oligarquia dos Leites!" Era precisa tornar Piancó livre!

Em Plenário, todos os dias ocupava a tribuna e, mesmo em mal português, muitas vezes arrancava palmas das galerias, por sua verve ferina e respostas oportunas aos adversários, em apartes queimantes. Atingia-os com a força de argumentos convincentes e de sutilezas lógicas, preciso e incisivo como um perito esgrimista. 

Seu slogan era: "amigo meu não peca", seu princípio: "Para inimigos políticos, justiça; para amigos, favores." Linguagem chã, ao sabor do povo menos entendido, criava por vezes, engraçados neologismos. A sua lógica é que não bambeava. Argumentava com firmeza, convicção e destemor, com o indicador em riste, voz limpa e atroante, com todos os dotes de grande orador. Certa vez, rebatendo apartes de seus opositores, no mais aceso dos debates, afirmou: "Em Piancó há somente dois chefes: eu que superintendo os destinos do velho Município sertanejo e Felizardo Leite, oposicionista, que me combate. Não nego e nunca neguei o seu valor político. Já disse a meus amigos que, si eu morrer primeiro, aceitem a sua orientação e não procurem outro alí, porque não existe. Tudo mais é figura de papelão, como este pobre diabo (e apontava para José Parente, um oposicionista representante dos Leites) que é como prego: tem cabeça, mas não tem juízo!"

Depois dessa, um misto de gargalhadas e protestos tumultuaram a sessão, obrigando o presidente a suspendê-la até o restabelecimento da ordem.

A Coluna Prestes era subdividida em vários destacamentos, duramente combatidos pela campanha propagandista do governo central que reunia forças ao longo das marchas pelos sertões para resistir. As cidades eram esvaziadas e ao mesmo tempo, guarnecidas por misto de defensores o que incluía soldados da Política Militar, jagunços de coronéis, pistoleiros de aluguel, cangaceiros e homens comuns que se armavam para a peleja.

Nesse particular da segurança no "Velho Oeste" do interior da Paraíba, vale destacar os esforços do governo de Solon de Lucena e posteriormente o do Dr. João Suassuna, nos idos da década de 1920.

Registra-se que os revolucionários, talvez, não visavam atacar vila, nem cidade sertaneja, nem o itinerário fazia parte daquele perímetro. Porém, imprevistos circunstanciais os levaram a esse rumo. Descendo de São João do Rio do Peixe, acamparam-se como flanco-guarda-esquerda nas proximidades das duas cidades que pretendiam atacar: Patos e Pombal. 

Enquanto isso, o flanco-guarda-direita descia pelo rio Piancó, atravessaram as serras de Boa Vista, Pedra Ferrada e Pitombeira, alimentando-se de carne de cabras.

A 1º de outubro de 1926, sob o comando do Pe. Aristides, guarneciam a vila de Piancó apenas doze soldados e trinta e dois paizanos, todos relativamente municiados.