quinta-feira, 17 de maio de 2018

O ANJO DE HAMBURGO



                                              Por João Batista Nunes da Silva

Quem é essa brasileira, de pulso firme, de temperamento sanguíneo, que ousou enfrentar seus superiores na embaixada de Hamburgo (Alemanha), e driblar por várias vezes a Gestapo para salvar centenas de homens, mulheres, velhos e crianças da escalada da morte nazista?

Ela trabalhando no Departamento de Vistos como chefe da seção de passaportes, concedeu o documento a milhares de judeus, apesar das restrições feitas à entrada de judeus no Brasil pelo Estado Novo a partir de 1938.

Nas horas em que não estava no trabalho socorria refugiados, a própria custa, com dinheiro e víveres, enfrentando seríssimos riscos sob os olhares dos oficiais SS que se ocupavam do extermínio sistemático de mais de seis milhões de judeus na Alemanha de Hitler.

Aracy Guimarães Rosa (1908-2011) foi a segunda esposa do diplomata e escritor Guimarães Rosa. Funcionária do Itamaraty em Hamburgo ajudou inúmeros judeus a fugir do nazismo. Conhecida como “Anjo de Hamburgo”, foi homenageada nos museus do Holocausto de Jerusalém e de Washington.

Aracy Moebius de Carvalho Guimarães Rosa (1908-2011) nasceu em Rio Negro, Paraná, o dia 5 de dezembro de 1908. Filha de pai brasileiro e mãe alemã, ainda criança foi morar com os pais em São Paulo. Em 1930, casou-se com o alemão Johann Eduard Ludwig Tess, de quem se separou cinco anos depois. Vítima do estigma que marcavam as mulheres separadas, destemida, poliglota e culta, embarcou com o filho de cinco anos em um navio rumo à Alemanha. Instalada na casa de uma tia, passou privações.

Fluente em português, alemão, inglês e francês, em 1936 encontrou trabalho no Itamarati, como chefe da seção de passaportes do consulado brasileiro em Hamburgo. Enquanto se adaptava ao país, assistiu a expulsão dos judeus do funcionalismo público, testemunhou seu banimento das escolas e das universidades e os viu perderem seus direitos e propriedades.

Desafiando o antissemitismo encampado nos bastidores do governo de Getúlio Vargas, que restringiu a entrada de judeus no Brasil, foi responsável pela concessão de vistos em Hamburgo, Aracy passou a omitir dos superiores qualquer informação que identificasse um requerente como judeu. Mesmo correndo sérios riscos se fosse descoberta, ajudou incontáveis famílias de judeus a escapar da morte nos campos de concentração de Adolf Hitler.

Em 1938 Aracy de Carvalho conheceu Guimarães Rosa, que depois se tornaria um dos maiores escritores brasileiros, e havia sido transferido para Hamburgo. Ela se apaixonou por ele, mesmo sabendo da transgressão da chefe da seção de passaporte, lhe deu total apoio. Aracy e Guimarães Rosa foram investigados pelas autoridades do Brasil e da Alemanha.

Em 1942, quando o Brasil rompeu relações diplomáticas com a Alemanha e aliou-se aos Estados Unidos, à Inglaterra e à União Soviética, contra Hitler, o casal foi mantido por 100 dias em um hotel, em poder da Gestapo, até se estabelecer a troca de diplomatas entre os dois países.

De volta ao Brasil, como eram desquitados, só oficializaram a união na Embaixada do México, no Rio de Janeiro, em 1947. O romancista dedicou-lhe “Grande Sertão: Veredas” (1956), obra central na moderna literatura brasileira.

Em 1982, Aracy Guimarães Rosa foi laureada com a mais alta honraria para os “não judeus” que se arriscaram para proteger vítimas do Holocausto – foi declarada “Justa entre as Nações”, pelo governo de Israel. Recebeu homenagens também no Museu do Holocausto de Washington e Jerusalém.

Aracy Guimarães Rosa faleceu na cidade de São Paulo, no dia 3 de março de 2011, em consequência do Mal de Alzheimer.

Desfecho

Ao sentir a aproximação do Exército soviético se aproximar, os oficiais SS aceleraram o extermínio de milhares de judeus, não importando se homens, mulheres, velhos, jovens e crianças nas câmaras coletivas de gás dos inúmeros complexos dentro dos campos de concentração. Relatos das forças aliadas ao chegarem em algumas das divisões desses campos, ainda era possível ver a poeira produzida pelas fumaças dos crematórios abarrotados de corpos. 

Anjos de carne e osso

A história universal está repleta de seres humanos iluminados, de carne e osso, que representaram um papel decisivo na vida de centenas de pessoas, chegando a fazer enormes sacrifícios para promover o bem. Nomes como o de Aracy nunca será esquecido.


REFERÊNCIAS

FRAZÃO, Dilva. Aracy Guimarães Rosa. A burocrata brasileira. 2016. In: eBiografia https://www.ebiografia.com/aracy_guimaraes_rosa

OLIVEIRA, Dimas da Cruz. 2ª Guerra Mundial: Holocausto. São Paulo: HunterBooks, 2015.