terça-feira, 31 de julho de 2012

MATARAM JOÃO



Ele foi à João Pessoa para participar de uma reunião com seu advogado. Figura simples, do campo, acostumado à lida dura que a vida legou. Casado, crente da Igreja Batista, cidadão de Sapé,..., militante do movimento rural que lutava pela instituição da Reforma Agrária no Brasil.
João Pedro Teixeira foi preso várias vezes pela Polícia Militar da Paraíba para “averiguações”. Na mira da Polícia Secreta que caçava supostos partidários comunistas, ele não hesitou em continuar defendendo aquilo pelo qual estaria disposto a fazê-lo mesmo em face da morte.
Pobre João, caminhando pelas ruas da Capital, pensando em sua família, nos seus filhos, esbarrou na venda para comprar livros e cadernos. Pensava no brilho de olhares da pequena grei diante do presente que iria levar para casa, o gozo da satisfação, indizível.
Pegou a marinete de volta para casa, ônibus cheio, mas para João o que importava mesmo era ver seus filhos festejarem seu retorno com novidades trazidas de um mundo longe dali, daquela realidade cruenta e cheia de espinhos.
É verdade que, dias para cá, uns cabras andaram espreitando o sítio de João, rodeando a casa com ares ameaçadores. A mulher, com aquele pressentimento divinal, advertiu-lhe: “vamos embora daqui!”, ao que sempre lhe respondia ternamente: “não posso abandonar a causa. Vão-se que ficarei com os retratos.”
Sentimentos profundos tomaram conta de João, tenaz pregoeiro da justiça social, defensor contumaz de condições dignas para o produtor rural castigado pela insensibilidade bestial dos latifundiários que detinham o poder para manobrar o próprio Comando da Polícia, pondo-o sob suas ordens para executarem seus mandos a serviço do desmando.
João, enfim chegou ao ponto de parada, a entrada que dava para a cidade de Sapé, fatigado, seu desejo era atingir o limiar de sua casa o quanto possível. Mas foi nesta estrada que a solidão de seus pensamentos fora rompida com o primeiro dos tiros de rifle que tão covardemente o abateu.
Tombado no meio do caminho, ensangüentado e vendo-se esvair em sangue qual não foi a dor de João, sobremodo, sufocante ao ver espalhado pelo chão de terra batido, os livros que com tanto amor comprara para tentar colorir a vida de seus filhos que solícitos lhe esperava. Aos poucos a imagem de sua esposa Elizabeth, seus filhos, sua casa, seu sítio, foram-se distanciando, tornando-se fracas, confusas, inatingíveis, os ecos de vida soçobraram na cabeça de João até ele não ver mais nada, nada além de dois anjos que vieram para acompanhá-lo ao descanso dos justos - 2 de abril de 1962.