sexta-feira, 19 de julho de 2019

O INCONSCIENTE


Esse foi o título inaugural de Sigmund Freud, médico neurologista e criador da escola de pensamento psicanalítico ou a psicanálise. Um tema que era do interesse apenas de estudiosos da filosofia e das ciências psi, psicologia, psicanálise e psiquiatria para adentrar o mundo das ciências sociais aplicadas. Nesse caso, jornalistas, publicitários, gestores sociais e operadores do direito têm demonstrado especial atenção à existência de um mundo de domínio subjetivo, o inconsciente.

A analogia mais utilizada para se obter a dimensão do inconsciente é a do iceberg que no mar torna claro apenas aquele bloco de gelo que pode ser um pequeno monte escondendo a enorme montanha submersa, escondida aos olhos do observador, demonstrando a ideia de que muitos conteúdos que verbalizamos ou exprimimos através dos mais variados gestos encontram respostas emocional e motivacional em nosso inconsciente.  

Em seu Vocabulário da psicanálise, Laplanche e Pontalis afirmam que, “ se fosse preciso concentrar numa palavra a descoberta freudiana, essa palavra seria incontestavelmente a de inconsciente”. Creio que a quase-totalidade dos téoricos em psicanálise concordaria com esta afirmação, embora nem todos concordem quanto à significação, à extensão e aos limites daquilo que entendem por inconsciente.

Uma das maneiras de se começar a falar no inconsciente freudiano pode ser a de se apontar o que ele não é, ou então, a de se marcar a sua diferença com relação àquela concepção de subjetividade dominante até Freud. 


O termo “ inconsciente” , quando empregado antes de Freud, o era de uma forma puramente adjetiva
O Inconsciente 169para designar aquilo que não era consciente, mas jamais para designar um sistema psíquico distinto dos demais e dotado de atividade própria.

A concepção que mais se aproximou da de Freud foi a de Herbart, que mesmo assim não falava de um psiquismo topograficamente dividido em sistemas, mas de ideias que continuavam dinamicamente ativas após terem sido inibidas pelas demais. Qualquer que tenha sido, porém, a noção de inconsciente elaborada antes de Freud, o fato é que ela não designava nada de importante ou de decisivo para a compreensão da subjetividade.

Um outro aspecto importante a ser ressaltado é o da identificação do inconsciente com o caos, o mistério, o inefável, o ilógico etc., e esta identificação ocorreu tanto anteriormente a Freud como no interior do próprio espaço do saber psicanalítico. Até hoje encontramos “descrições” do inconsciente como sendo o lugar da vontade em estado bruto e impermeável a qualquer inteligibilidade.

Aqueles que identificam o inconsciente freudiano com o caótico e o arbitrário devem reler o capítulo VII da Traumdeutung, quando Freud declara enfaticamente que não há nada de arbitrário nos acontecimentos psíquicos, todos eles são determinados. 

Aqueles que identificam o inconsciente freudiano com o caótico e o arbitrário devem reler o capítulo VII da Traumdeutung, quando Freud declara enfaticamente que não há nada de arbitrário nos acontecimentos psíquicos, todos eles são determinados. 

Os fenômenos lacunares são, portanto, indicadores de uma outra ordem, irredutível à ordem consciente e que se insinua nas lacunas e nos silêncios desta última. Essa outra ordem é a do inconsciente, estrutura segunda, e que não é apenas topograficamente distinta da consciência, mas é formalmente diferente desta. O inconsciente não é o mais profundo, nem o mais instintivo, nem o mais tumultuado, nem o menos lógico, mas uma outra estrutura, diferente da consciência, mas igualmente inteligível.

João B Nunes

quarta-feira, 17 de julho de 2019

A CHEGADA DO CIRCO NO JEREMIAS



O Bairro do Jeremias em Campina Grande possuía, à época, uma população de quase 11 mil habitantes, ruas íngremes, ladeiras esburacadas, paisagens monocromáticas, mães e meninos barrigudos a observar o acontecer de cada dia, a prestanista Dona Severina passando com suas bacias, panelas de pressão, jogos de lenções e penicos de plástico, tudo em suáveis prestações no cartão (literalmente um cartão róseo de papelão onde se notava a quitação das quinzenas), a carvoaria de Seu Pretim dava uma ideia que o tempo tinha se esquecido de passar naquela região da cidade. 

A missa dos domingos, as novenas, os cultos na igreja dos crentes, a difusora de Laura de Chico Venâncio e o jogo no campo do Galícia era o que se tinha como agenda familiar. Se bem, que em certos dias, o arrasta pé do forró da SAB (Sociedade de Amigos do Bairro) era o máximo. 
Mas aqui e acolá uma moça era desencaminhada por algum sujeito sem compromisso, o forró acabava com um corre-corre, o fi de Seu Chico Cangula enfiou a faca no buxo de um cabra que se estrebuchava no chão do salão. No final, não tinha quem dissesse quem foi ou quem não foi o autor do crime.

Para a molecada a coisa mudava de feição sempre que aparecia um parque de diversão com aquelas mesmas opções de sempre sendo que parecia ser uma novidade. Seu Jorge da Palmeira, pai de Miguel tinha um. Com tiro ao alvo, com chumbinhos que ninguém acertava, com o lança argolas com direito a vários brindes, o carrossel com os cavalinhos pintados de cores diferentes e a roda gigante que dava aquele friozão na barriga cada vez que parava no alto. Para quem ia prevenido no bolso, tinha a barraca da maçã do amor (aquelas caramelizadas), a barraca das roletas de cana, a barraca da batatinha frita, feita com aquele óleo reutilizado de tantas e tantas outras frituras, e o homem do carrinho de pipoca. 

Dava para se ver que poucas pessoas com seus filhos realmente usufruíam daquelas opções de lazer e entretenimento. Não importava, assim mesmo o parque se enchia de gente miúda achando o máximo simplesmente em estar transitando por aquele espaço tão colorido e iluminado por aquelas fios intercalando as lâmpadas que ao longe dava a ideia de um lugar aonde a diversão não teria fim. 

Ali era o lugar onde não apenas a gurizada deixava fruir alegrias como os próprios adultos, pais, mães e tios não se continham e a pretexto de acompanharem as crianças esbanjavam emoções há muito represadas.
Quando menos se dava fé, o parque já não estava lá, apenas o espaço vazio dentro daquela imagem que compunha a feirinha do bairro.

O bairro era outra vez sacudido com as trombetas difusoras da velha Chevrolet anunciadas, na voz do palhaço, que o Circo acabara de chegar para alegria de todas as crianças. Confeitos arremessados ao ar para o atropelo alvoraçado de um grupo de crianças que vinham correndo atrás do carro. eram o mote da chamada às atrações “inéditas” prometidas para a “grande estreia!!!”

Enquanto o palhaço no calor intenso da manhã ensolarada descia e subia as ladeiras do bairro, o fumaceiro do cano de escape de um motor já vencido pelo desgaste criava uma espécie de névoa tóxica que se misturava as cabeças da gurizada teimosa em seguir aquele carro.

O Circo era aquela estrutura mediana, coberta com uma lona amarela e azul, com algumas estrelas brancas espalhadas no alto. Rodeado por grades de ferro que davam para duas bilheterias borboletas giratórias, um ônibus onde se alojavam os artistas e demais trabalhadores, dois carros de pequeno porte, um caminhão já sofrido, e o espetacular ônibus da “Monga”, a mulher que se transformava em gorila. 

Tudo aquilo gerava uma atmosfera de mistério. A pintura do ônibus apresentava uma mulher mal desenhada, de biquíni, e perto dela a imagem de um gorila com ares de violenta ameaça. E um letreiro bem destacado: “Monga”, no espaço a baixo, em letras menores, a “Mulher Gorila.” 

Muita gente que não podia pagar o ingresso se assustava somente com os grunhidos emitidos naquele ônibus do medo. As crianças chegavam a ter pesadelos com aquelas imagens que se formavam na mente. No clímax do espetáculo, o Gorila que agora já não tinha mais nenhuma mínima expressão do humano que ainda pouca esboçava um rosto feminino, sacodia a grade que o separava do pequeno público e tentava se sair furioso em direção as pessoas, mais um ou dois sustos uma cortina preta de uma lado e do outro vermelha fechava a parte que separava os dois ambientes dentro do velho ônibus.

Na parte do picadeiro, dentro do circo propriamente, as brincadeiras de palhaços tomava conta. Eram números simplórios e repetitivos que arrancavam sorrisos e aplausos da plateia, geralmente com atuações de situações atrapalhadas, revides, deita e rola, performances de gesticulações e malabarismos davam o tom da parte inicial da noite de estreia. 

Depois vinha o mágico com seus truques mirabolantes, nada de mulher que era cerrada ou que desaparecia, nem coelho na cartola. Era tudo muito simples como retirar das mangas da camisa uma série de lenços coloridos, uma pequena exibição pirotécnica restrita ao espaço de uma pequena bancada, para fazer sumir um objeto e convidar alguém da plateia (já treinado para tal, sem ninguém saber, é claro!) e esse mesmo objeto aparecer em seu bolso.

O trapézio era um dos pontos máximos. Uma mulher de biquíni revestido com lantejoulas brilhantes executava algumas manobras que iam atingindo um grau de dificuldade e prendia os olhares da plateia nas piruetas que dava. Em sequencia, a corda bamba e a perícia de uma artista com seu bastão, indo e vindo encenando ao longo do trajeto algum movimento que desse a ideia de que iria cair naquele momento.

Não havia animais, como poderia ter pelo menos um leão aposentado daqueles que são vendidos dos circos de grande porte. No caso desses circos que vão de bairro a bairro, o custo de manutenção comprometeria a subsistência dos trabalhadores. Afinal, ser artista circense em dias como aqueles não era fácil nem rendia dinheiro. Os que se dão a promover o sorriso de uma plateia geralmente tende a percorrer um caminho de desafios permeado muitas vezes de tristezas e dissabores.

Nos últimos dias do circo no bairro, aquele mesmo carro passava chamando a população para a despedida do “grande circo” e por isso os ingressos custariam a metade do preço normal, ninguém podia faltar! Desta vez nem tinha o lançar dos bombons muito menos o alvoroço das crianças, apenas os gritos do anunciador.

As últimas noites eram lotadas, o que muitos não sabiam era que as apresentações também eram pela metade. Contudo, o prazer de viver um ambiente diferente de entretenimento para tantos expectadores valia a pena.

Por João B Nunes
Formado em psicologia e acadêmico de direito.