quinta-feira, 8 de dezembro de 2016

O REGISTRO PICTOGRÁFICO DA GUERRA PELO LADO FEMININO



A mulher sempre esteve presente na história universal das guerras. A literatura registra feitos como os de Cleópatra do Egito, estrategista, erudita e sábia; Penélope de Ulisses.  Joana D’arc foi uma camponesa francesa que comandou parte do exército francês na Guerra dos Cem anos (1337-1453) e se tornou santa e mártir da França; Maria Quitéria foi a primeira mulher a servir oficialmente ao exército brasileiro na Guerra do Paraguai (1864-1870); Boudica foi rainha do povo britânico celta e comandou os icenos contra a dominação romana na Bretanha (ano 60 ou 61 d.C.).



A maioria das mulheres que tiveram participação ativa na Segunda Grande Guerra Mundial tinha, quase sempre, uma história de tristeza, de perda, de sonhos destruídos. O quadro devastador deixado pelos invasores, pelas forças inimigas separavam pessoas queridas não poucas vezes de forma trágica.


segunda-feira, 14 de novembro de 2016

BAIRRO DO JEREMIAS: UM COMÍCIO NO PÉ DA LADEIRA


O Bairro do Jeremias em Campina Grande, interior do Estado da Paraíba, por volta do ano de 1980, era ao lado dos bairros de José Pinheiro, Centenário e Liberdade palcos tradicionais dos comícios políticos. Dois locais eram estratégicos. Tinha candidato que preferia fazer seu comício no alto do Jeremias. No começo da Rua Santo Agostinho, ou Simão Bolivar, esquina com a XV de Novembro (principal acesso Centro/Bairro, vindo pelo Bairro da Palmeira), ou no baixo Jeremias. Neste caso, o caminhão ficava na esquina da Rua Francisco Borges da Costa (Rua do Homem Mocego) com a Simão Bolivar, mirando a expansão da Feirinha do Jeremias. O som podia ecoar até à Vila dos Teimosos, de modo que,  quem estivesse hospitalizado no Hospital da FAP, poderia ouvir perfeitamente toda a programação. 

Nessa última opção de local, o caminhão ficava num declive, ligeiramente inclinado, no pé da ladeira.

A gente sofrida composta de trabalhadores assalariados na sua maioria, estudantes, idosos, mulheres e crianças se concentravam na Feirinha esperando a chegada dos candidatos. Não importava se, de repente, a noite fosse tomada por uma leve neblina, e o chuvisco reforçasse aquele friozinho de batida de dentes. Mesmo assim o povo não arredava o pé, do pé da ladeira onde geralmente ficava o caminhão dos candidatos.

Cada candidato tinha seu representante no bairro. Ivan Cabral, um antigo líder comunitário durante muito tempo apoiou Zé Maranhão. Depois, passou a apoiar Ronaldo Cunha Lima. Depois passou a representar Walter Brito. Celinha assume posição de líder e passa a apoiar Ronaldo Cunha Lima. 

Enivaldo Ribeiro, apoiado por Laura de Chico Venâncio. Doutor Damião, por outro comunitário com seu potencial mobilizador  e assim por diante.

O grande atrativo eram os shows com artistas do momento ou da nostalgia romântica. Cantores como João Gonçalves com suas músicas de duplo sentido, Marinêz e os Três do Nordeste com o autêntico forró representavam verdadeiras festas ao ar livre. De início, cantores e bandas de pequena monta, depois, lá por volta das 22h começavam os discursos dos candidatos. Depois, começava o arrasta pé que se estendia das 23h às 0 horas. E o povo lá, firme na diversão. No meio desse fuá, as crianças faziam a festa na disputa por quem juntava mais santinho de candidatos. Eles diziam as mocinhas que distribuiam entre o povo, "tem santinho, aí?"  

O povão gostava também de ouvir os discursos inflamados dos candidatos. Tinha sempre um bêbado ou uma bêbada, ou os dois abraçados dançando juntos e fazendo prezepadas lá na frente do caminhão ou do trio elétrico de Walter Brito. 

Eles gostavam de ouvir Enivaldo Ribeiro, Dr. Damião, Zé Maranhão com aquela tranquilidade que é a sua marca, garantindo que iria lutar pelo "ricurso" necessário para mais saúde, moradia, segurança e tudo mais. 

Entretanto, a emoção era generalizada quando Ronaldo começava a discursar, intercalando aqui e ali com a prosa e a rima. Tinha gente que gritava e aplaudia, as mais atiradas esbravejavam: "Ronaldo, coisa linda!!!"

O resultado desses comícios quase sempre surtia seus efeitos. Dos prosélitos que acorriam para essas agromerações muitos se tornaram grandes defensores das figuras mais emblemáticas da política. Com tais não tinha negociação. O voto era certo em cada pleito, por décadas.


João B Nunes
Formado em Psicologia e Acadêmico de Direito

Memoria Social

1) A Difusora de Laura 
http://jbnunes-vitrine.blogspot.com.br/2011/11/difusora-de-laura.html

2) Ritinha Parteira
http://jbnunes-vitrine.blogspot.com.br/2014/03/ritinha-parteira.html

3) O Cego Zé Maurício
http://jbnunes-vitrine.blogspot.com.br/2013/02/o-cego-ze-mauricio.html

4) A Bodega de Seu Garrincha
http://jbnunes-vitrine.blogspot.com.br/2012/01/bodega-de-seu-garrincha.html

segunda-feira, 31 de outubro de 2016

DE QUEM É A CULPA?



No Título IX do Código Civil "Da Responsabilidade Civil", no artigo 927, encontra-se expresso o seguinte texto: "Aquele que, por alto ilícito (Cf. arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado à repará-lo. Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem." 

Igualmente importante é termos em vista  o que estabelece o artigo 187, a saber: "Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes."

A doutrina deixa claro que, quanto a responsabilidade civil, três são os elementos da responsabilidade: 1) Conduta humana; 2) Nexo de causalidade; e 3) Dano ou prejuízo.

A conduta humana é todo e qualquer comportamento (positivo ou negativo, consciente ou inconsciente, voluntário ou involuntário, causador de dano ou prejuízo a outrem)  praticado por uma pessoa.

Já o nexo de causalidade é o vínculo existente entre o agente e o resultado danoso.  Para que o nexo causal seja identificado, de acordo com a Teria adotada por Gustavo Tepedino e Carlos Roberto Gonçalves, é preciso que ocorra uma relação direta e imediata entre o comportamento e o resultado.

No artigo 403, está normatizado que "ainda que a inexecução resulte de dolo do devedor, as perdas só incluem os prejuízos efetivos e os lucros cessantes por efeito  dela direto e imediato, sem prejuízo do disposto na lei processual."

Quanto as espécies, pode-se afirmar que o dano consiste na efetiva violação a um interesse jurídico tutelado, o qual pode ser patrimonial (material - ocorre lesão ao patrimônio de uma pessoa) ou extrapatrimonial (moral). Ainda existe o dano reflexo ou dano ricochete, consistente no dano que atinge pessoa indireta. Gera prejuízo a uma vítima indireta ligada à vítima direta do ato ilícito. Para que haja dano indenizável necessário se faz que exista violação a interesse juridicamente tutelado e que o dano seja certo, não hipotético. 

A culpa atinge a responsabilidade civil subjetiva possuindo duas formas: a primeira se embasa na reprobabilidade social e no "animus agendi"; enquanto que a segunda, enfoca a previsibilidade entre o ato praticado e o resultado obtido.

O elemento subjetivo consiste no animus agendi, o qual se encaixa no pensamento da possibilidade de agente ter agido de forma distinta. O elemento extrínseco, por sua vez, consiste na reprobabilidade exercida pela sociedade sobre a conduta praticada.

Quanto a previsibilidade do resultado, o agente só será responsabilizado pelos resultados previsíveis. 

De acordo com o grau de reprobabilidade a culpa pode ser classificada em grave, leve e levíssima. Grave é a conduta que viola o cuidado objetivo, de forma a ferir gravimente o direito através de erro grosseiro. Leve é a conduta que foi cometida com certo nível de prudência, porém, de maneira faltosa, gerou-se o dano. Levíssima, conduta na qual o ato foi realizado com prudência e diligência, ainda assim, gerando o dano a outrem.

Existem três tipos de culpa: a culpa in vigilando: ato praticado com falta de vigilância do responsável por pessoa ou coisa sob sua responsabilidade; a culpa in eligendo, ato praticado com falta de cuidado na escolha, na "eleição" de seu representante; e, culpa in contraendo, provavelmente do inadimplemento contratual.

Respondendo a pergunta inicial "De quem é a culpa?", concluímos que a culpa é de todo aquele que age [ou deixa de agir] produzindo uma conduta que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, ou imperícia, resulte na violação de direito tutelado, gerando com o ato, o dever de indenizar a pessoa prejudicada. 


                                                                João Batista Nunes da Silva

sábado, 8 de outubro de 2016

LA DEMOCRACIA


Juan Baptist Nuñes


La democracia es un concepto complejo, cuya comprensión exige diferenciar su sentido procedimental de su sentido valorativo. De manera general, entendemos por democracia un sistema de gobierno en el cual los ciudadanos eligen a sus gobernantes obedeciendo la decisión de la mayoría, sin que ello restrinja la participación y derechos de minorías, guiado por valores como la pluralidad de opiniones, la tolerancia y el respeto al Estado de derecho.

Bajo esta concepción, la democracia comprende un arreglo institucional que asegura el sufragio universal para elegir las autoridades que nos representarán dentro de un periodo específico, en un marco de pluralismo político.

La democracia, bajo su sentido procedimental, permite la designación de autoridades y la toma de decisiones, pero sólo puede asegurar la institucionalización de la pugna por el poder político para evitar la violencia (Przeworski, 1997).

En contraste, la democracia adquiere un sentido valorativo cuando le atribuimos expectativas normativas como la igualdad económica o la justicia social. Bajo esta perspectiva, un país con libertades individuales, elecciones regulares, libres e institucionalizadas, con libertad de expresión y asociación, pero con altos niveles de desigualdades y pobreza (como la mayoría de los países en América Latina) no podría considerarse como una “verdadera” democracia.

La definición que equipara la democracia con un grado sustantivo de justicia o de igualdad social puede ser útil como bandera de movilización política, pero no lo es en terminus analíticos, ya que obstaculiza la identificación de variables que, más allá del arreglo institucional, puedan tener una correlación directa con la desigualdad y la pobreza.

Además, la conceptualización de una democracia valorativa lleva a grandes decepciones por parte de la ciudadanía y tiende a despreciar a la democracia existente “haciéndole el juego al autoritarismo” (O’Donell, 2004, p.153).

Ello no significa que los resultados de la democracia no sean importantes, sino que la mejora de las condiciones sociales desde dentro de un sistema democrático no es una variable analítica, es decir, no depende de incluir o no su sentido valorativo dentro de la definición de democracia.

Mejorar el desempeño gubernamental dentro de un régimen democrático requiere de herramientas que posibiliten a los ciudadanos, no sólo elegir a sus representantes, sino también la capacidad de sancionarlos, vigilarlos y exigirles que tomen decisiones de acuerdo a sus necesidades y demandas.



REFERENCIAS

O´DONELL. Delegative Democracy. Journal of Democracy, Vol. 5, Nº. 1. National Endowment for Democracy and The Johns Hopkins University PressJanuary, 1994.

PRZEWORSKI, A. Una defesa de la concepción minimalista de la democracia. México: Revista Mexicana de Sociología/UNAM, 1997.


quarta-feira, 5 de outubro de 2016

DIDÁTICA: Conteúdo, Objetivos e Método



João Batista Nunes da Silva
Psicólogo e acadêmico de Direito

Se você não sabe aonde está indo, é difícil selecionar meios para chegar.         

                                                                                           Mager.

O processo de transmissão de saberes por parte do professor/facilitador envolve, basicamente, o trabalho de sistematização de três componentes fundamentais: conteúdo, objetivos e método.

Conteúdo. De acordo com os autores que tratam da seleção e organização de conteúdos (Gagne, Teba, Horn, Lafourcade, entre outros), esta é uma tarefa importante na qual o professor deve realizar ao organizar o seu plano de ensino.

Turra el. al. (1975) afirmam que embora os autores assumam posições diferenciadas quanto ao modelo de educação, percebe-se um ponto comum: "a importância da seleção e organização criteriosa dos conteúdos a serem trabalhados com o grupo de alunos."

Prosseguem os autores mostrando que o conteúdo é uma parte integrante da matéria-prima; é o que está contido em um campo de conhecimento. Envolve informações, dados, fatos, conceitos, princípios e generalizações acumulados pela experiência do homem, em relação a um âmbito o setor da vida humana (...) Os bens culturais, quando adaptados, elaborados e organizados pedagogicamente, compõem os conteúdos programáticos. Estes constituem a fonte de onde o professor seleciona o conjunto de informações que trabalhará com seus alunos.

Martins (1989), por sua vez, destaca que a seleção e organização de conteúdos não é tarefa rápida ou fácil. "Exige muito conhecimento do assunto e do grupo de alunos, além do embasamento seguro em termos da estrutura da disciplina."

Objetivos. Toda ação humana tem em vista um objetivo, explícito ou não. A capacidade de concepção do resultado a ser produzido, antes de sua concretização material, é uma faculdade essencialmente humana. É a partir da concepção do objetivo na sua mente que o homem tem condições de acionar os meios adequados para atingi-lo. Esse aspecto é fundamental no processo da atividade humana, já que permite deter o controle sobre o processo e o produto  do seu trabalho. 


A determinação dos objetivos do ensino é considerada elemento fundamental no processo de planejamento da prática educativa e assumem diferentes formas de elaboração tornando-se o parâmetro que regula a entrada e a saída do processo de ensino, segundo o enfoque sistêmico da instrução.


Existe a necessidade de definição clara do que se pretende com o ensino, considerando dois princípios fundamentais: os domínios cognitivo, afetivo, psicomotor e o nível de especificação (geral e específico).


A formulação de objetivos educacionais importa em escolha consciente por parte da equipe de professores, fundamentada em experiências anteriores e auxiliada pelas ponderações sobre diversos tipos de dados. A seleção final e a ordenação dos objetivos tornam-se ainda uma questão de aplicação dos princípios da teoria da aprendizagem e da filosofia de educação que o grupo docente aceita.


Método. A metodologia didática é a sistematização do ensino, constituída por métodos e técnicas de que se vale o professor para efetivar a sua intervenção no comportamento do educando, orientando-lhe a aprendizagem.


O método constitui o elemento unificador e sistematizador do processo de ensino, determinando o tipo de relação a ser estabelecida entre professor e alunos, conforme a orientação filosófica que o fundamenta; tal orientação envolve uma concepção de homem e de mundo, respondendo, em última análise, a um ponto de vista da classe.




REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

MARTINS, Pura Lúcia Oliver. Didática Teórica, Didática Prática-Para Além do Confronto. São Paulo: Edições Loyola, 1989.


TURRA, C.M. Godoy et. al. Planejamento de Ensino e Avaliação. Porto Alegre: PUC/EMMA, 1975.




sábado, 13 de fevereiro de 2016

NA ERA DO RÁDIO: CAUBY PEIXOTO E ÂNGELA MARIA



"Se o Criador viesse de novo ao mundo, 
não falaria. como Jeová, 
do alto de uma nuvem, 
ou como Júpiter, do corpo medonho
 de um trovão: falaria ao microfone!" 
(Berilo Neves, escritor)


Nos anos de 1940-50 o rádio era a grande janela para o mundo: trazia para quase todos os lares as últimas notícias; moldava a opinião pública; vendia produtos, lançava modas; e alimentava os sonhos dos ouvintes com a voz de atores e atrizes, astros e estrelas. Esse "reino de encanto de sonhos e informação" coroava "reis e rainhas".

Quando a voz tinha um rei como Francisco Alves e tantos outros notáveis: "Meu companheiro dileto/Violão, és meu afeto/És minha consolação/ De tanto roçar meu peito/Tens hoje o timbre perfeito/ Da voz do meu coração".

Tempos de Cauby Peixoto e Ângela Maria, a querida do Sapoti

"Conceição, eu me lembro muito bem,/ Vivia no morro a sonhar/ Com coisas que o morro não tem..." Canção de Jair Amorim e Dunga, vozes inconfundível daquele cantor de bigodinho que a interpretava era a de Cauby Peixoto, que entre 1954 e 1959, foi o cantor mais popular do Brasil. Com qualidades que justificam esse título.

Nascido em 1935, provinha de uma família de músicos. Seu pai era violinista, sua mãe tocava bandolim, e um de seus tios era pianista e homem de rádio. Mas seu parente mais famoso era o sambista Ciro Monteiro. Cauby começou a cantar num programa de calouros da Rádio Tupi, no Rio, por volta de 1951. Três anos depois era celebridade, fazendo sucesso com o fox Blue Gardenia.

Mais tarde vieram Conceição (1956), Nono Mandamento (1957), Prece de Amor (1958) e muitas outras. Segundo alguns, seu rápido êxito se devia não apenas a suas inegáveis qualidades de cantor, mas também ao tipo de publicidade que o cercava. Seu empresário, Di Veras, contratava mocinhas para que desmaiassem "de emoção" à simples passagem do cantor. Seguindo o modelo norte-americano (foi assim que Frank Sinatra virou ídolo), Di Veras fazia confeccionar para Cauby ternos apenas alinhavados, que as fãs "rasgavam com furor", em cenas documentadas por fotógrafos de aluguel. No fim dos anos, 50, Cauby excursionou pelos Estados Unidos, usando o nome de Ron Coby, e gravou Maracangalha, de Caymmi, com o título de I Go.

Quanto a Ângela Maria, era a mais que preferida "Rainha do Rádio" em 1954, tendo começado a carreira em 1947, apresentando-se em programas de calouros como a "Hora do Pato", de Jorge Cúri, na Nacional. Seu verdadeiro nome é Abelim Maria da Cunha, mas a cantora usava então o pseudônimo de Marina da Cunha para que os pais, muito religiosos, não soubessem de sua atividade.

De origem humilde, Abelim trabalhava nessa época numa fábrica de tecidos. Em 1951 já com o nome artístico de Ângela Maria, cantava num clube noturno carioca, o Dancing Avenida, quando foi "descoberta" por Erasmo Silva e Gilberto Martins. Este último levou-a para a Rádio Mayrink Veiga, da qual era diretor. Na Mayrink, Ângela assinou contrato e passou a cantar regularmente, estourando imediatamente em todas as paradas. Foi a cantora mais popular dos anos 50 e recebeu de Getúlio Vargas o apelido de "Sapoti, por sua cor e sua voz, doces como o sapoti". Seus maiores sucessos foram Vida de Bailarina (Américo Seixas e Chocolate) e Lábios de Mel (J. Vilaça e Nage).

A atmosfera do Pós-guerra (1945) influencio o modus de viver do brasileiro. Tudo parecia pairar sobre os ditamos culturais dos americanos e isto é visto nas artes e na produção musical popularizada e retratada através da modelagem. Os ritmos do Tio Sam encontrava espaço do morro as mansões burguesas do Rio e de São Paulo, e por fim, em todo o país.

João B Nunes
Psicologo, teológo e acadêmico de Direito

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

SOLILÓQUIO

Essa é minha sala. O oitavo ano do primeiro grau no Colégio Anésio Leão, o Estadual da Palmeira (Campina Grande, Paraíba). Próximo à mezinha da professora é aonde me assento todos os dias. Ao meu lado Valéria (filha de um dono de mercearia no bairro do Monte Santo). Uma menina mais alta que eu, magra, esguia... Estudiosa. Ela costumava falar com uma força de expressão que exigia olhos nos olhos. Para mim era tarefa penosa já que fitando seu rosto vez por outra sua saliva expelida dos lábios vinha direto para os meus olhos.

Lá no fundão tá a galera bagunceira. Eu não os condeno. Já fui um deles por algum tempo, do tipo engraçadinho. Eles gostavam de mim. Admiravam meu talento de desenhista. Uns rabiscos que fazia e, vez por outra, deixava na redação do Diário da Borborema para ser publicado. Às vezes ficavam me perguntando o que havia de errado comigo. Por que eu não conseguia namorar uma daquelas moças como os carinhas do fundão as conquistavam tão facilmente. Mas vamos deixar a conversa para depois da aula, porque já vem a professora Neuzinha, “de Geografia Geral”.

Neuzinha aparentava ter seus 42 anos, magra, aproximadamente 1,70m de altura. Voz rouca, agravada pelo vício do cigarro (mas no perímetro do colégio, nunca a vi fumar. Ética). Severa. Fazia a exposição da aula com uma precisão própria dos mestres. Exigente. “Um aluno meu só passa de ano de mostrar competência.” Essa palavra ainda não tinha ouvido com essa facilidade sonora. Agora já familiarizado, concluo que Neuzinha era a própria competência. Morava só, num apartamento na Rua Barão do Abiauí, no Centro, onde também era sindica, com todos os rigores que o cargo impõe. Sua roupa, eu e a maioria da classe sempre achávamos extravagantes. Cores fortes, uso e abuso de babados, completando o manequim, uma maquiagem pesada numa tentativa inútil de esconder os traços bem acentuados de seu rosto.

 Neuzinha era um misto de dureza e ternura. Interrompia a aula muitas vezes para falar sobre sua vida sofrida no Sertão. Falava do pai, reticenciosa. Demonstrava orgulho da bravura do sertanejo do naipe de “meu pai” – dizia ele, com uma lágrima rebrilhando nos olhos.

Dentre os livros que a gente recebia do Governo do Estado (Excelentes livros), estava o de Geografia Geral. Sistemática, Neuzinha sabia dividi-lo bem certinho para o ano letivo.

Eu ficava em casa folheando apenas para ver as imagens ilustrativas. Quando menos me dava conta, já havia lido os primeiros capítulos. Os dias foram passando, os prazos se cumprindo, e a primeira e segunda prova revelou que a turma não estava em sintonia com Neuzinha. A maioria da classe estava com o rendimento abaixo das expectativas da professora. “Bruxa! Pavão! Magrela!” Murmuravam os colegas pelos corredores, sem nunca ousar se dirigir à professora.

Qualquer apelo dos colegas era em vão. Neuzinha ministrava uma aula com toda a maestria e experiência de seus anos de sala de aula e não aceitava flexibilizar o nível do ensino.
O resultado foi que a classe inteira foi para recuperação! E Neuzinha tratou de desenganar quem já estivesse perdido: não adianta chorar! Eu só passo quem estuda e mostra o que aprendeu na prova, e pronto!!!
O assunto da prova final era todo o Continente Africano, com seus aspectos políticos, sociais, culturais, e, claro, geográficos. Coincidentemente eu e a colega Valéria fomos para a final por conta de cinco décimos!  E tínhamos apenas três dias para estudar todo o assunto. Saímos do Colégio indignados. Uma atmosfera pesada atingiu em cheio o pessoal do fundão. Tinha gente que nem atingindo a nota máxima poderia passar de ano. A maior parte daquelas moças e rapazes tão festeiros parou com a algazarra e pesaram a encarar essa nova realidade.

No caminho de casa, pude notar que Valéria não conseguia conter as lágrimas e, em soluços dizia para mim (desta vez quase que cuspindo nos meus olhos) que iria mostrar a “essa professora” o quanto ela estava enganada e que não éramos cachorros para ser tratado de forma tão ríspida!

-João! Eu vou... Eu provar pra essa professora... Vou começar a estudar assim que chegar em casa!
-Eu também vou estudar seriamente, você vai ver! Respondi tentando comungar com aquele sentimento de “perda” que parecia irreparável para os brios da colega.

Separamos-nos como de costume na rua que dava para casa e ela se foi atordoada com seus pensamentos em brasa.

Sexta, sábado, domingo, segunda à tarde, já estávamos de volta à cena da prova. Minhas mãos suadas de nervoso. Dedos tamborilando sobre a carteira. A professora Neuzinha, com um lenço multicolorido amarrado naqueles cabelos cacheados passou por mim distribuindo a prova. A hora da verdade – pensei.

Os colegas foram saindo um por um e depositando suas provas sob o olhar severo da professora que observava atentamente a turma do fundão. Valéria também saiu. O aspecto de seu semblante era como um êxtase. Parecia envolvida numa alegria que não dava para esconder um sorriso de satisfação.

Quando eu terminei a prova, entreguei a professora e ao sai no corredor já não havia mais nenhum colega. Retornei para casa já sentindo a falta do corre-corre diário das aulas, da presença de cada um de minha turma.

Na quinta-feira à tarde, vim ao colégio para ver o resultado final. Percebi que meus colegas começavam a chegar e se juntar com os que já por lá estavam. Dirigi-me para o pátio da escola onde estavam afixadas as folhas com as respectivas turmas. Fui procurando nome por nome e quando me deparai com o meu, suspirei aliviado, escondendo um sorriso de felicidade. Minha vontade era de sair pulando de alegria! Passei de ano!

O tempo também passou, e hoje me vieram essas lembranças. Puxa vida, Valéria se casou, foi ser mãe, abandonou os estudos para nunca mais voltar, pelo menos este pareceu ser o intento do esposo.

A professora Neuzinha nunca mais a vi. Gostaria de poder me encontrar com ela para lhe dar um abraço forte e agradecer-lhe imensamente por tudo! A turma do fundão se fragmentou. Aquelas meninas lindas e atraentes que desejei namorar se envolveram com drogas e  prostituição. Um colega foi morto pela polícia, numa dessas madrugadas tensas de tiroteio no bairro do Jeremias. Outro que ficava admirando meus desenhos, enlouqueceu completamente devido ao uso de variadas drogas. Não chegaram a terminar os estudos do primeiro grau.


Quanto a mim, sou um milagre de Deus.


João Batista Nunes 
Psicólogo, Teólogo e Acadêmico de Direito.

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016

O SOFRER PSÍQUICO PROVOCADO PELO ASSÉDIO MORAL




INTRODUÇÃO

O trabalho tem um significado muldimensional para a pessoa do trabalhador. Tem gente que se realiza no desempenho de suas funções. Há pesquisas de desempenho que associam a motivação das pessoas mais ao bem-estar no ambiente do trabalho do que ao que se ganha em dinheiro.

O ambiente do trabalho e as pessoas nele envolvidas exercem uma carga de importância emocional decisiva para o trabalhador ou trabalhadora. Mas quando esse ambiente é minado por condutas depreciativas e tratamentos não condizentes com a ética em flagrante atentado contra a dignidade da pessoa humana, ferindo os princípios morais que deveriam ser o norte das relações interpessoais, então o clima no trabalho passa a ficar turvo e nebuloso, com tensões negativas, gerando mal-estar, criando prisões psíquicas que podem deixar marcas profundas. Em outras palavras, a pessoa pode estar sendo vítima de assédio moral.

Sem rodeios o assédio moral é caracterizado pelo “cerco” em torno de um trabalhador/trabalhadora ou de grupos de trabalhadores de terminada repartição pública ou privada, ou setor de trabalho dos inúmeros segmentos existentes Brasil afora. Esse “cerco” se traduz como formas de tratamento hostilizante que degrada, humilha, sobrecarrega e deprecia a pessoa publicamente, levando-a a desenvolver quadros psíquicos que comprometem a saúde da vítima, e sua vida social, atingindo, por conseguinte, até a família, além, obviamente, de comprometer a produtividade, pelo baixa autoestima provocada.

Porque as pessoas muitas vezes se submetem ao assédio moral? E outras tantas ao assédio sexual? A resposta a essas questões não são simples, elas encerram tantas outras que subjazem no complexo repertório de situações vividas pelo trabalho e trabalhadora brasileiros.

Questões que vão da completa falta de informação e esclarecimento sobre o que é o assédio moral e as garantias constitucionais da dignidade humana; até as de ordem social ligadas a história individual de cada vítima. É um pai de família que é o único provedor e fica-se imaginando o que acontecerá consigo quando sua filhinha lhe pedir comida. É a mãe solteira que depende do emprego para manter seu lar; é a pessoa que tem dependes idosos ou doentes; ou mesmo uma situação de endividamento que prende o trabalhador e tantos outras situações agregadas.

CONCEITO

O assédio moral é toda e qualquer conduta abusiva (gesto, palavra, comportamento, atitude) que atende, por sua repetição ou sistematização, contra a dignidade ou a integridade psíquica ou física de uma pessoa, ameaçando seu emprego ou degradando o clima de trabalho.

O assédio moral está restrito ao poder hierárquico no ambiente de trabalho? Não. A noção de assédio moral é extensiva a qualquer um no ambiente de trabalho, do topo da hierarquia à base do quadro. Podendo ser classificado como: - assédio vertical – é praticado pelo servidor hierarquicamente superior (chefe) para com os seus subordinados; - assédio horizontal – é praticado entre colegas de serviço de mesmo nível hierárquico; - assédio ascendente – é praticado pelo subordinado que possui os conhecimentos práticos inerentes ao processo produtivo sobre o chefe.

O assédio pressupõe intenção? Nem sempre ele é intencional, é possível que os atos causem efeitos no servidor assediado independente de intenção, ainda que o assediador afirme não ter desejado fazê-lo. Nesse caso existirá apenas a ignorância do agente quanto à extensão quanto à extensão dos efeitos provocados pelo seu comportamento.

Assédio moral – atitudes hostis. Deterioração proposital das condições de trabalho: -retirar da vítima a autonomia; -não lhe transmitir mais as informações úteis para a realização de tarefas; -contestar sistematicamente todas as suas decisões; -criticar seu trabalho de forma injusta ou exagerada; -privá-la de acesso aos instrumentos de trabalho: faz, telefone, computador, mesa, cadeira, entre outros; -retirar do trabalho que normalmente lhe compete; dar-lhes permanentemente novas tarefas; atribuir-lhe proposital e sistematicamente tarefas superiores às suas competências; -pressioná-la para que não faça valer seus direitos (férias, horários, prêmios); agir de modo a impedir que obtenha promoção; -atribuir à vítima, contra a vontade dela, trabalhos perigosas; -atribuir á vítima tarefas incompatíveis com sua saúde; -causar danos morais, psicológicos, físicos entre outros, em seu local de trabalho; -induzir a vítima ao erro; -controlar suas idas ao médico; -advertir a vítima em razão de atestados médicos ou de reclamação de direitos; -contar o tempo de permanência ou limitar o número de vezes em que o trabalhador vai ao banheiro.

CONSEQUÊNCIAS DO ASSÉDIO MORAL SOBRE A SAÚDE

Os reflexos em quem sofre assédio moral são extremamente significativos, vão desde a queda da autoestima até a existência de problemas de saúde, entre eles: -depressão, angústia, crises de competência, crises de choro, entre eles; - insônia, pesadelos, alterações no sono; - diminuição da capacidade de concentração e memorização; isolamento, tristeza, redução da capacidade de fazer amizades; -falta de esperança no futuro; -mudança de personalidade, passando a praticar a violência na família; - mudança de personalidade, reproduzindo as condutas de violência moral; aumento de peso ou emagrecimento exagerado; -distúrbios digestivos, aumento da pressão arterial, tremores e palpitações.

O QUE DIZ A LEGISLAÇÃO?

-A Constituição Federal, em seu artigo 1º fixa os fundamentos da República, entre eles: cidadania, dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho (Art. 1º, incisos II, III e IV); em seu art. 3°, CF/88 elenca os objetivos fundamentais da República: a construção de uma sociedade livre, justa e solidária e a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (BRASIL, 1988, artigos 1º e 3º, e incisos). Poderia ser acrescentado o art. 5º onde se lê:

Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança [...], I – homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição; III – ninguém será submetido à tortura nem a tratamento desumano ou degradante.

Mas, de particular importância nesse somatório de previsões constitucionais se destaca: “São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurando o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrentes de sua violação” (BRASIL, 1988, art. 5º e incisos).

Liste-se ainda o previsto no Código Civil: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”; e mais: “Aquele que por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo” (BRASIL, 2002).

IDENTIFICADO O ASSÉDIO MORAL: O QUE O TRABALHADOR E TRABALHADORA PODEM FAZER?

Em primeiro lugar reunir provas das recorrências do assedio moral de que está sendo vítima; anotar com detalhes todas as humilhações sofridas (dia, mês, ano, hora, local, ou setor, nome do agressor, colegas que testemunharam, conteúdo da conversa e o que mais achar necessário); dar visibilidade, procurando a ajuda dos colegas, principalmente daqueles que presenciaram o fato ou que já sofreram humilhações do agressor; evitar conversar com o agressor, sem testemunhas; procurar seu representante sindical e relatar o fato.

CONCLUSÃO

O sofrer psíquico é, na verdade, um somatório de agravantes internos e externos ao indivíduo, ora acentuado pelas relações sociais no âmbito familiar ora, e principalmente, pelo ambiente do trabalho onde a vida de prolonga por mais tempo. 

Quando se estar diante de situações humilhantes na relação de emprego a pessoa automaticamente é confrontada e desafiada a se posicionar. É como se o cérebro atingisse o limiar do "tudo-ou-nada". Nesse ponto, ou a pessoa reage acionando os meios legais com as devidas provas (as provas podem ser áudio, vídeo, facilmente gravados por celular; e, também testemunhos de colegas de trabalhos) e provoca o devido processo de reparação do dano moral, e o direito assegurado de continuar no emprego, caso queira. Ou simplesmente, se submete a situação degradante. Se optar por essa segunda escolha, terá que conviver com o fato de que a humilhação perpetrada por alguém nunca se limita aos níveis iniciais. O agressor vai ampliando os níveis, visto que a vítima mostrou-se passiva, e, isto, vai comprometer drasticamente a saúde física e psíquica do trabalhador. 

Se pensar um pouco mais, não há razão alguma para se submeter. Outro emprego em outra empresa estará lhe aguardando e novos amigos, novas relações, novos ares com mais dignidade irão returbinar sua vida. Mas, acima de qualquer coisa está a sua saúde! Não se deixe abater, não se entregue. Vá à luta e seja um (a) vencedor (a). 

Autor João Batista Nunes
Psicólogo e Acadêmico de Direito.

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

PAULO DA CIDADE DE TARSO


Por volta de 750 do calendário Romano, nasceu Saulus[1]· (Sha’ul), em Tarso da Cicília. Era o primeiro século da era Cristã, pois nessa primeira década Jesus já havia nascido em Belém da Judeia. 
De acordo com Ball (2000), a província de Tarso abrangia 120 quilômetros de norte a sul, alongando-se do ocidente para o oriente da Panfília, “indo até as montanhas de Síria”. “Uma cidade não pouco magnífica” (Atos 21.29), já que na estrada ao sul, para Antioquia, ficava a passagem conhecida como Portão da Síria. Todo o trânsito das linhas comerciais ou se processavam pelo mar ou pelas rotas que convergiam pelas estradas montanhosas da Cicília, tendo Tarso como principal ponto, ou melhor, era a maior cidade do Império Romano na Cicília, numa perspectiva geoestratégica, política, cultural e comercial.
Os pais eram da Tribo de Benjamim (Rm 11.1), da classe dos Fariseus[2] (Fil 3.5) e habitavam em Tarso provavelmente em razão da diáspora[3] que espalhou judeus por todas as regiões do domínio romano. O nome Saulus parece ser uma homenagem ao primeiro rei de Israel dessa mesma tribo, Saul. Paulo do grego pavlos[4].
Percebe-se que, de acordo com os escritos neotestamentários Saulo passou a ser chamado apenas de Paulo a partir do capítulo 13:9 de Atos dos Apóstolos. Por ser da cidade de Tarso, era Judeu com cidadania romana. Houve situação em que ele soube muito bem explorar o direito romano em seu favor.
A educação de Paulo parece ter sido uma das mais notáveis, descrita por ele mesmo como a mais rígida (vivi fariseu como a seita mais severa da nossa religião, At. 26. 5). Além de ter absorvido a melhor fase da influência helenística, o jovem foi “Eu sou judeu, nasci em Tarso da Cilícia, mas criei-me nesta cidade e aqui fui instruído aos pés de Gamaliel, segundo a exatidão da lei de nossos antepassados, sendo zeloso para com Deus”,  At. 22.3.  “[...] E, na minha nação, quanto ao judaísmo, avantajava-me a muitos da minha idade, sendo extremamente zeloso das tradições de meus pais.” (Gl. 1.14). Preparado para conduzir-se “irrepreensível, segundo a justiça da lei” (Fil 3.6).
Gamaliel era o mais conceituado mestre da coletividade judaica, mais de uma linha moderadora (At. 5.33); da escola de Hileu. Esse mestre deve ter preparado Paulo para seguir uma visão de mundo mais aberta em comparação as demais vertentes mais rígidas e ortodoxas. Tão preparado a ponto de encontrarmos Paulo discutindo com os estoicos e epicureus. Além do hebraico, língua nativa, Paulo dominava o aramaico, o latim e o grego. Com essas ferramentas podia transitar em qualquer lugar do mundo de então, entendendo e fazendo-se entender[5].
Talvez Paulo tenha sido educado em Tarso até cumprir o bar-mistivá e na idade dos 12 anos tenha ido morar com familiares em Jerusalém onde passou a estudos mais intensivos da lei e das tradições de moshé (Moisés).
Em Jerusalém, suas aulas certamente intercalavam-se, dentre as notícias mais quentes, os alvoroços de multidões causados por um homem galileu, este, que segundo os crédulos, fazia sinais e milagres extraordinários; levando muitos a acreditar ser ele o Messias.
O notável saber do rapaz Paulo fê-lo se destacar na corte principal dos judeus, o Sinédrio, e, de acordo com os primeiros relatos dos Atos dos Apóstolos, já o vemos como uma espécie de juiz com investidura de autoridade para consentir na morte de Estevão, discípulo exatamente do galileu que, inclusive, já havia sido condenado a morte de cruz pelos Romanos, pela sentença de Poncio Pilatos.
Como um autêntico oficial do sinédrio, Paulo agora é descrito no capítulo 9 dos Atos se dirigindo ao sumo sacerdote para pedir-lhe novas investiduras contra os discípulos do galileu. O texto inicia com expressões fortes “Saulo, respirando ainda ameaças e morte contra os discípulos [...]”.
O plano era chegar à cidade da Damasco e empreender uma verdadeira caçada a qualquer que professasse fé nos ensinos do galileu. “Caso achasse alguns que eram do Caminho (assim era designado aquela sedição), assim homens, como mulheres, os levassem presos para Jerusalém”, versículo 2.
“Perseguir este Caminho até a morte, prendendo e metendo em cárcere homens e mulheres” (Atos 22. 4).
Naquele dia tudo parecia ser como antes. Um dia comum para diligências e apreensões de seguidores desse tal Caminho. Já estava tudo acertado entre as autoridades de Jerusalém. Paulo, devidamente guarnecido partiu para mais uma missão, estrada afora, rumo à Damasco.
Ao aproximar-se (At. 9.2-5) da cidade, subitamente uma luz do céu brilhou ao seu redor, tão forte que o fez cair por terra e nisso ouvir uma voz que lhe dizia: Saulo, Saulo, por que me persegues? Paulo atordoado com toda essa situação, incomum, sobrenatural, sem enxergar absolutamente nada em volta de si, perguntou ante a voz inquiridora: “Quem és Senhor”? E em resposta ouviu a sentença: “Eu sou Jesus, a quem me persegues.”
Referência Bibliográfica
BALL, Charles Fergunson. A Vida e a Obra de Paulo. 3º edição. Rio de Janeiro: CPAD, 2000.
Bíblia Sagrada. Versão ARC; e, NVI; LH. Sociedade Bíblica do Brasil, 2014.
Ramos, José Augusto. Paulo de Tarso – Grego e Romano, Judeu e Cristão. Centro de Estudos Clássicos. Universidade de Coimbra. Portugal: Humanitas Supplementum, 2010.
STERN, David H. Comentário Judaico do Novo Testamento. São Paulo: Templus, 2008.




[1] Saulus era nome dado em homenagem ao primeiro rei de Israel, Saul.
[2] Fariseus: Pharisaios (grego), proveniente de uma palavra aramaica peras (encontrada em Dn 5.28), significando “separar”, devido a um diferente modo de vida em relação ao público geral.
[3] Diáspora significa ‘dispersão’. É termo que se relaciona à dispersão dos Judeus provocada pela rebelião de um certo Judah ben Hezekiah, em 4 a.C., de acordo com José Augusto Ramos et al in Paulo de Tarso, Centro de Estudos Clássicos da Universidade de Coimbra, 2010.
[4] Pavlos (Grego) de acordo com David H. Stern in: Comentário Judaico do Novo Testamento.
[5] O próprio Flavio Josefo, historiador hebreu afirmava que por volta do século I, circulavam em Jerusalém, tanto quanto na corte de Herodes, homens versado na cultura helenística, que dominavam o grego.

segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

BICICLETA NA HISTÓRIA

Houve tempo em que as pessoas costumavam andar para as mais variadas direções de distancia curta. Mas quem tinha pressa, ia de bicicleta. A evolução do uso consagrou o ciclismo, alias um item de mobilidade fortemente atrelado à sustentabilidade urbana.

O ciclismo é definido sob duas formas: como “a arte de andar de bicicleta” e como “o esporte das corridas de bicicletas” (HOLLANDA, 1975, p.323). Pode-se perceber então a amplitude da primeira definição com relação à segunda.

Mas como o ciclismo se expressava nas cidades de grande portes, como as capitais em tempos de profundas mudanças como na transição dos séculos XIX e XX?

O processo de “nascimento” de uma invenção é algo complexo, e geralmente não ocorre de forma repentina. Assim foi com a bicicleta. Desde os primeiros desenhos, modelos, protótipos e esquemas que lembram, mesmo que de longe, essa máquina de duas rodas, muito tempo e avanços tecnológicos – além da dedicação de pessoas no desenvolvimento desta máquina – foram necessários até que a mesma sofresse as transformações que a fizesse ser reconhecida como a bicicleta.

Estudos dedicados à história da bicicleta geralmente apresentam registros de dois modelos com importantes antecessores. O primeiro, um desenho entre os inúmeros projetos de Leonardo da Vinci, muito semelhante à bicicleta, que não chegou a ser testado ou construído. O outro, a Draisana, máquina de madeira que consistia em duas rodas ligadas por um tronco. Inventada pelo Barão de Drassler, na Alemanha, a Draisana tinha sua utilização restrita às decidas, uma vez que se tratava de estruturas rígidas em madeira, não sendo possível a mudança de direção ou da velocidade.

Agora era o homem que controlava a máquina. Os velocípedes, como eram chamados, se desenvolveram rapidamente, e dentro de pouco tempo seria possível encontrar máquinas de duas, três e quatro rodas, construídas das mais variadas formas.

Um dos primeiros modelos, e dos mais conhecidos, era o chamado grand-bi. Como o pedal era fixado no eixo da roda dianteira, esta tinha o seu diâmetro bem maior que a traseira, aumentando assim o deslocamento a cada giro do mesmo. O banco era posicionado praticamente acima da roda motriz, o que fazia com que o ciclista se posicionasse assentado, com o tronco praticamente a 90 graus em relação ao banco.

Em 1880, talvez a mais importante modificação: a empresa inglesa Tangent and Conventry Tricycle Company lança um modelo revolucionário para a época, chamado bicyclette. Suas maiores inovações eram as rodas de mesmo diâmetro aliadas à engrenagem por corrente na roda traseira (VIGARELLO, 1988).

A invenção da engrenagem por correntes modificou completamente a forma do ciclista se posicionar sobre a bicicleta, além de, em pouco tempo, substituir por completo o grand-bi. Esses dois exemplos – o velocípede de Henri Michaux e a bicyclette de engrenagem por correntes – são importantes transformações na história da bicicleta, pois envolveram mudanças também na posição dos corpos dos ciclistas, bem como na forma de pedalar.

Guardados os devidos avanços na ciência e na tecnologia dos novos materiais, os primeiros modelos com engrenagem por correntes já se assemelhavam bastante com os atuais modelos de bicicletas encontrados no mercado. Destacamos entre eles o modelo chamado comparado Rover, de 1885, bicicleta que guarda poucas diferenças em sua estrutura, quando comparada aos modelos de passeio atuais.

As primeiras competições foram realizadas na França, já no ano de 1869, com modelos Grand Bi. Em breve, a bicicleta ganharia o mundo, e o ciclismo passaria a ser praticado em diversos países.

João Batista Nunes
Psicólogo e Acadêmico de Direito

Bibliografia

HOLLANDA, Aurélio Buarque de. Dicionário da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro; Nova Fronteira, 1998.

VIGARELLO, Georges. Passion Sport: Histoire d’une Culture. Paris: Textuel, 2000.

quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

CÍCERO


Marco Túlio Cícero nasceu em Arpino, cidade do Lácio, a 03 de janeiro de 647 da fundação de Roma e 106 antes de Cristo (a.C)[1]. O nome Cícero pertencia à família Túlio de Arpino, da gens plebeia Cláudia, que veio a ser altamente dignificada pelo incomparável orador. A História Romana, antes de Marco Túlio Cícero, só fazia menção de Cláudio Cícero, tribuno da plebe em 454 a.C.

A palavra parece derivar de cicer, “chicharo” ou “grão-de-bico”; provavelmente adotou-a como sobrenome de algum antepassado do orador que se entregara ao cultivo dessa leguminosa, à imitação dos Lêntulos, que tomaram seu nome da lentilha, e dos Fábios, derivado de faba, “fava”.

Tal hipótese é sustentada por Plínio na sua História Natural, XVIII, 3. Plutarco, porém, atribui o sobrenome a um dos indivíduos da família Túlia, que tinha no nariz uma verruga do tamanho de um grão-de-chícharo. Ainda conforme Plutarco, chamava-se Hélvia, sua mãe.

Cícero, em uma de suas obras filosóficas refere-se ao pai, que, retido no campo por motivo de saúde, entregava-se quase que inteiramente ao estudo das letras.

Marco Túlio Cícero pertencia a uma família da ordem equestre, e seu pai, ainda que afastado das lides políticas, mantinha relações com os homens mais notáveis da época.

O orador Licínio Crasso encarregou-se da educação de Marco e de seu irmão Quinto; sob a direção do mestre, Cícero ouviu, em Roma, as lições do poeta Árquias, grego, com o qual estudou os poetas, historiadores e filósofos da antiga Grécia. Cícero não descurou jamais do Latim, e, ainda jovem, começou a compor versos; abandonou, logo, a poesia, para se dedicar, inteiramente à retórica. Para esse abandono contribuiu não só o seu juízo crítico, mas também, em parte, os temas descritivos que escolhera, como Nilus; melhores não foram os seus resultados na poesia didascálica, ou na tradução dos Fenômenos de Arato; escreveu, também, um poema histórico, Marius. O seu Pontius Glaucus, em versos tetrâmetros, ainda que louvado parcimoniosamente pelos coevos, parece ser obra medíocre. O gato pela poesia, porém, jamais abandonou o admirável orador. Bem mais tarde tentou escrever um poema acerca do seu próprio consulado.

Os contemporâneos não pouco zombaram das predileções poéticas de Cícero, e Quintiliano cita um verso ciceroniano notando-lhe a horrível cacofonia (Inst. Or. IX, IV, 41; XI, I,24), verso esse que figura na X Sátira de Juvenal, verso 122:

O fortunatam natam me consule Roman! (Ó Roma afortunada, nascida sob o meu consulado!)

Aos 16 anos Cícero vestiu a toga viril; iniciou-se, a seguir, no estudo das leis e do ritual. Foram seus mestres os dois Cévolas, o áugure e o pontífice; nesses juvenis estudos tanto se distinguiu que logo escreveu um tratado sobre direito civil, segundo o testemunho de Aulo Gélio, obra que não chegou até nós: De Jure Civili in Arte Redigendo (De como fazer do direito civil uma arte), Aulo Gélio, Noctes Atticae, I, 22.

As leis romanas exigiam que todo  cidadão servisse à república, e Cícero não se furtou a essa obrigação. Em 87 a.C. tomou parte na campanha de Sila contra os confederados italianos, servindo sob as ordens do cônsul Pompeu Estrabão. De regresso a Roma, frequentou as aulas de Filão, grego natural de Larissa, cidade da Tessália, e chefe dos Acadêmicos, de Diódoto, o Estóico, e de Molão de Rodes, célebre filósofo e retor.

Com 26 anos iniciou-se Cícero no Foro, pronunciando a eloquente defesa de Quíncio, Pro Quinctio, tendo como adversário o famoso jurisconsulto Hortêncio. Por esse tempo, Crisógono, liberto de Sila, adquiriu por duas mil dracmas os bens de um homem que o ditador havia feito morrer, como proscrito; Róscio, filho e herdeiro do morto, indignado com tamanha desfaçatez, provou que os bens vendidos por tão baixo preço valiam 250 talentos. Sila que se viu convencido de injustiça, irritadíssimo contra Róscio, acusou-o, por instigação do liberto, de parricídio. 

Ninguém ousou defendê-lo, temendo a crueldade de Sila. O jovem Róscio, abandonado de todos, recorreu a Cícero; esse, atendendo aos amigos que lhe suplicavam aceitasse a causa, aproveitando, destarte, o ensejo que se lhe apresentava de entrar na carreira da glória, acedeu em defendê-lo. O sucesso dessa defesa atraiu a admiração geral sobre o novel advogado; mas o temor do ressentimento de Sila fez com que se dirigisse à Grécia, a pretexto de tratar da sua saúde um tanto abalada.

Na verdade, segundo o testemunho de Plutarco e de outros autores contemporâneos, Cícero não gozava de boa saúde; magro e descarnado, sofria do estômago, que tinha tão fraco a ponto de poder alimentar-se somente uma vez ao dia, com alimentos leves e parcos.

Na Grécia, Cícero ouviu as lições de Antíoco, o Ascalonita. Este já afastara da nova Academia e escola de Carnéades de Cirene, e abraçara a maior parte dos dogmas do Pórtico, a doutrina dos estoicos, a escola de Zenão. Cícero amava a filosofia e dedicou-se a ela com o maior entusiasmo, convencido de que um bom orador, antes de tudo, deveria ser bom filósofo. Projetava, segundo consta, renunciar à carreira de advogado e retirar-se para Atenas, a fim de viver uma vida tranquila e sossegada entregue às lucubrações filosóficas. Logo fê-lo esquecer todos os seus planos; esteve, antes, em Rodes e na Ásia, onde frequentou as escolas dos retores Xénocles, de Adramita, Dionísio, de Magnésia, península e província da Tessália, e Menipo, o Cário. Em Rodes, ligou-se estreitamente aos filósofos Apolônio Molão, de Alabanda, e Posidônio, escritor grego nascido na Síria e discípulo de Panécio.

No ano de 77 vemo-lo em Roma, e, nessa mesma época, casava-se com Terência. No ano 75, como questor, esteve na Sicília, passando depois para Siracusa, onde se diz ter descoberto a sepultura de Arquimedes. Por causa da escassez de trigo que afligia Roma, teve que enviar para a capital grandes quantidades daquele cereal, mas procedeu com tanta justiça e tamanha bondade, que conquistou as boas graças de todos os sicilianos.

Célebre ficou sua ação contra Cornélio Verres, ex-pretor da Sicília, que cometera revoltantes excessos. Nessa causa Cícero fez antes a defesa da espoliada Sicília, que ataques hostis ao desavergonhado Verres, que era apoiado por toda a aristocracia. Quinto Cecílio, cúmplice de Verres, foi seu principal contendor; seu principal contender; seu primeiro discurso contra o espoliador foi tão contundente, que o acusado não quis aguardar a sentença; foi condenado, e a fama de Cícero cresceu de vulto.

Edil em 69 e pretor em 68, apoiou calorosamente a votação da lei Manília, que concedia a Pompeu o comando supremo da campanha contra Mitridates, em substituição a Luculo, e que lhe conferia poderes extraordinários. Pompeu era, então, o chefe da oligarquia, e não foi sem repugnância que Cícero abraçou a sua causa, esperando reconciliar o Senado com os cavaleiros por meio de política mais liberal e expansiva. Não resta dúvida que, na sua atitude de apoiar Pompeu, havia muito egoísmo: o desejo de obter os favores do partido dominante e obter, assim, o consulado. Apoiado pela aristocracia, apresentou-se como candidato, juntamente com Catilina, de quem então já se suspeitava de conspirar contra a República, e que cometera incesto com a própria filha e matara um irmão. Não obstante a má fama de Catilina, a ele aliou-se para fazer a campanha eleitoral. Obteve o consulado em 63. Catilina, que não fora tão afortunado, recomeçou a maquinar contra a República. Cícero, que descobrira tais intrigas, fê-las abortar, e, apesar da oposição de César, conseguiu que o Senado o condenasse, bem assim como a seus principais cúmplices. Datam dessa época as imortais Catilinárias, quatro maravilhosas orações, cujo exórdio ameaçador e majestoso da primeira assim começa: Quousque tandem abutere, Catilina, patientia nostra? (Até quando finalmente, ó Catilina, abusarás da nossa paciência?).

O Senado e o povo romano conferiram-lhe o título de “pai da pátria, pater patriae”, libertador e novo fundador de Roma.

No seu consulado, lutou Cícero pela elevação da classe dos cavaleiros, convertendo-a em classe intermediária entre os senadores e a plebe.

Os louvores que lhe prodigalizaram e a sua natural vaidade que não perdia ocasião de se por em evidência, atraíram-lhe o despeito e a inveja de muitos, principalmente dos amigos e partidários de Catilina; passaram a chamá-lo “o terceiro rei estrangeiro”. No fim do seu consulado, quando se preparava para pronunciar o discurso que em tais casos ia fazer-se, o tribuno Metelo tomou-lhe a palavra ordenando-lhe que se limitasse a jurar não haver feito nada contra a República. Cícero exclamou: Juro haver salvo a pátria! E a multidão, excitada, a uma só voz, gritou: Juramos que dizes a verdade!

O principal crime que então se imputava a Cícero era o de ter feito executar os cúmplices de Catilina sem processo.

Clódio, patrício de maus costumes e que havia profanado os mistérios da Boa Deusa, fora acusado por Cícero de sacrílego; conseguiu sair absolvido do processo, e buscava ocasião para vingar-se. Tomou gladiadores a soldo, fez-se adotar por uma família plebeia e pode, destarte, tornar-se tribuno da plebe, logrando impor-se aos triúnviros e aos cônsules. Cícero, precavido, comprou outro tribuno,  Nônio, que se deveria opor a todos os atos do seu colega. Clódio, porém, jurou que não pretendia praticar nenhuma ação que pudesse prejudicar Cícero, e este, ingenuamente, consentiu que Nônio abandonasse a oposição; assim o caminho ficou livre para que o sacrílego pudesse agir. Sem tardança, conseguiu Clódio que se aprovasse a lei que considerava culpado todo aquele que houvesse enviado ao suplício um cidadão sem a confirmação da sentença pelo povo. Cícero compreendeu que a lei fora elaborada expressamente para ele; vestiu-se de luto, deixou crescer a barba e suplicou aos amigos que o defendessem. Também o Senado se pôs de luto; os cônsules ordenaram-lhe que voltasse a envergar a púrpura.

2000 cavaleiros, igualmente enlutados, montavam guarda à casa de Cícero, sempre insultados com soezes injúrias pelos sicários de Clódio. Luculo aconselhava-o a lutar à frente dos seus contra o sacrílego; Catão e Hortêncio, mais ponderados e experientes, admoestavam-no a que não imitasse Catilina; César convidou-o a partir em sua companhia para as Gálias, e, não tendo Cícero aceito seu convite, ficou grandemente ressentido; Pompeu abandonando-o à sua própria sorte, retirando-se para sua casa de campo, pagando, dessa maneira, com a mais crua ingratidão o apoio que o tribuno sempre lhe prestara. Cícero viu-se sozinho e desamparado, ainda que verdadeiras multidões o lamentassem; mas nada podiam fazer por ele. Clódio, da tribuna, acusou-o; o orador não teve outra alternativa senão a de exilar-se voluntariamente.

A cidade de Hipônio fechou-lhe as portas; a Sicília igualmente o rechaçou, e finalmente, um Brundísio, cidade e porto da Calábria, no sul da Itália, atual Brindes, o acolheu Lênio Flaco; mas, não se julgando suficientemente seguro, dirigiu-se para a Mísia, província da Ásia Menor, encontrando em Diráquio, atual Durazzo, cordial acolhida. Com o fito de permanecer mais perto da Pátria, dirigiu-se Tessália, onde chorou de desespero; não se suicidou unicamente por receio de ser a sua memória esquecida dos homens. Naquela oportunidade lembrou-lhe o oráculo de Delfos, que, quando da sua estada em Atenas, fora consultar: “Se quiseres a maior glória, hás de seguir não a opinião do povo mas a tua própria natureza”.

João Batista Nunes é psicólogo e acadêmico de Direito.




[1] Texto de acordo com a tradução remida do Latim de Tassilo Orpheu Spalding, in: Clássicos Cultrix, 1964.