sábado, 8 de julho de 2023

A MEMÓRIA SOCIAL DAS MARIAS LAVADEIRAS E ENGOMADEIRAS DO JEREMIAS

 


Sim, era comum serem vistas lavadeiras e engomadeiras de roupas até nas calçadas das frentes das casas nos idos de 1980 no bairro do Jeremias em Campina Grande, Paraíba. Nessa época, o governador era Tarcísio de Miranda Burity e Ronaldo Cunha Lima vencia as eleições de 1982 como o prefeito mais bem votado daquele pleito.

O bairro, situado na zona norte da cidade, limite entre os bairros da Palmeira, Monte Santo e Araxá, era formado em sua maioria por famílias de baixa renda, gente muito simples e pobre, prevalecendo o analfabetismo e a desqualificação profissional. 

Em tempos de chuvas, era possível ver verdadeiras cachoeiras que deslizavam ladeiras abaixo com acúmulos de lamas que desaguavam no bueiro na parte de baixo do Jeremias, herança dos governos anteriores. Enivaldo Ribeiro, prefeito anterior, ainda fez uma enorme escadaria de cima a baixo, mas a estrutura foi levada por completo no início do inverno.

Naquele instante de tempo, o Jeremias acumulava homens e mulheres trabalhadoras envolvendo todas as ocupações tradicionais que podiam render algum dinheiro para a feira do mês. Nesse ponto, o ônibus da Cabral era lotado aos sábados de gente dividindo espaço com suas cestas vindas da Feira Central. 

As ocupações eram diversas. Pedreiros, ajudantes, pintores, oficineiros, chapeados (homens que descarregavam cargas de caminhões nos armazéns), mecânicos, costureiras, cozinheiras, empregadas domésticas (hoje, designadas como cuidadoras, secretárias do lar), vigias, parteiras, vendedores, prestanistas, padeiros, carvoeiros, comerciantes e assim por diante. 

Mas dentre todas essas, destacavam-se a de lavadeira e engomadeira de roupas. Mulheres que ajudavam a renda da família trabalhando em casas de gente grã-fina, geralmente em distâncias que davam para ser percorridas diariamente a pé como o bairro do Monte Santo e o Alto Branco.

Essas mulheres costumavam ajustar o ganho por semana ou quinzenal. Elas pegavam um lençol e faziam uma grande trouxa de roupas que traziam com a ajuda de uma rodilha de cabeça para equilibrar o fardo. Uma vez em casa, esbaforida, descansava para preparar o almoço, e depois, começar no tanque improvisado no quintal, onde a roupa trazida já aguardava.

Era utilizado um aditivo para embranquecer determinadas peças, chamado de anil. Um quadradinho azul que servia também para tornar mais coloridas as roupas de estampa e cores específicas.

Depois de lavadas, as roupas eram colocadas, umas para quarar e outras para enxugar nos varais que davam voltas no quintal e na frente das casas. Tudo bem feito, com modéstia e zelo. 

Depois que todas as roupas estavam enxutas. Eram colocadas num cesto. Dai, começava outro processo: o de engomar. Uma bacia pequena com água e um pouco de goma era esperada ao canto da mesa. Lá fora, no quintal, no fogareiro de cimento, o fogo já com uma quantidade de carvão em brasas, pronto para abastecer o reservatório do ferro de engomar. Tratava-se de uma peça rudimentar, que se abria para acomodar as brasas de carvão. 

Com um pequeno lenço, com a delicadeza de gestos, a mulher ia trabalhando peça por peça, dando a devida atenção a cada detalhe e organizando uma após outra, bem dispostas, engomadas e cheirosas o que iria formar envolto no lençol o todo completo de seu trabalho.

Havia, inescapavelmente, os dramas de histórias tristes envolvendo mulheres que viviam com homens alcoólatras e violentos. Desses que sempre estavam recebendo a visita punitiva do comissário de polícia do bairro. Eram vidas amarguradas que trabalhavam muitas vezes para garantir o sustento da família. Mulheres sofridas, de semblantes decaídos, marcados pelos pesares da vida, mas sempre determinadas em suas ocupações.

E assim a lida se firmava ao longo dos anos com elas trazendo seus fardos, rua a cima, rua abaixo, em passos firmes e feições silentes. 

João B Nunes