sexta-feira, 1 de novembro de 2019

A INTELIGÊNCIA PERCEPTUAL DA MULHER


O homem precisava se ausentar por longas distâncias para garantir uma boa caça, enquanto isso, a mulher se dedicava ao plantio de leguminosas e tubérculos que compunham a base alimentar. Não era tarefa fácil para ambos, mas para a mulher parece que a árdua missão exigia mais que se imagina. Ela tinha que cuidar dos filhos, amamentar, mantê-los aquecidos nos períodos de intensos invernos e protegê-los das feras que rondavam sua habitação.

Era preciso desenvolver uma inteligência perceptual que possibilitasse a leitura dos mínimos sinais de perigo. E de sinais a mulher entende. Mais que o homem, a mulher tem uma acuidade visual, olfativa e auditiva capaz de fazer leitura de cenário, ambiente e de pessoas. 

O olhar da mulher é sempre uma leitura, uma análise, logo vem a síntese, uma conclusão, que pode não acerta 100%, mais chega perto. Sentimentos (amor, raiva, agressividade, insatisfação etc.), intensões, comportamentos esboçados, quanto mais experiente nas vivências mais aguçada e assertiva ela se torna. 

Em tempos de acirradas competitividades ler os sinais daquilo que não é verbalizado é, sem dúvidas, uma vantagem a mais. Sinais de perigo, sinais de que deve avançar eu manter a cautela, enfim, sinais que se desdobram em sentidos que dão origem a tantos e tantos outros sentidos exigindo esse dom interpretativo e sensível (quase sensitivo) da mulher.

Os sinais, mesmo aqueles mais sutis, que ninguém mais consegue ver, a mulher os percebe passa a utilizar cada um deles como elementos que darão corpo a intuição. Intuir é algo que qualquer um pode fazer, contudo, como já frisado, a mulher sobressai. 


João Batista Nunes
Formado em psicologia e pós-graduando em GRH.

quinta-feira, 24 de outubro de 2019

A ESTRUTURA DA PERSONALIDADE



Freud observou em seus pacientes uma sucessão incessante de conflitos e conciliações psíquicas. Ele viu pulsão contra pulsão, proibições sociais bloqueando pulsões biológicas, e modos de enfrentar frequentemente em conflito uns com os outros.

Foi somente ao final de sua carreira que ele organizou, para si mesmo, este aparente caos, propondo três componentes estruturais básicos da psique: o id, o ego e o superego. Embora estes termos sejam comuns na atualidade, eles são artificialmente abstratos e produzem uma impressão diferente daquela pretendida por Freud (Solms, 1998).

Suas palavras foram simples e diretas: Das es (id) significa apenas "isso", das Ich (ego) significa "eu", e das uber-Ich (superego) significa "acima do eu". É um pouco tarde para corrigir os estragos causados pela tradução inicial do trabalho de Freud. Seus escritos foram deliberadamente obscurecidos para que parecessem mais científicos, o que era bem ao gosto da mentalidade norte-americana predominante da época (Bettelheim, 1982).

O id

O id é o núcleo original de onde emerge o resto da personalidade. Ele é biológico por natureza e contém o reservatório de energia para toda a personalidade. O id propriamente dito é primitivo e desorganizado. "As leis lógicas do pensamento não se aplicam ao id" (Freud, 1933, p. 73).

Além disso, o id não se modifica à medida que crescemos e amadurecemos. O id não muda pela experiência, porque não está em contato com o mundo externo. Seus objetivos são simples e diretos: reduzir a tensão, aumentai o prazer e minimizar o desconforto. O id se esforça para fazer isso através de ações reflexas (reações automáticas como espirrar ou piscar) e pela utilização de outras porções da mente.

O id pode ser comparado a um rei cego que tem poder e autoridade absolutos, mas cujos conselheiros de confiança, principalmente o ego, lhe dizem como e onde utilizar estes poderes.

Os conteúdos do id são quase totalmente inconscientes. Eles incluem pensamentos primitivos que jamais foram conscientes e pensamentos que foram negados, considerados inaceitáveis à consciência. Segundo Freud, experiências que foram negadas ou reprimidas ainda possuem a capacidade de afetar o comportamento da pessoa com a mesma intensidade sem estarem sujeitas ao controle consciente.

O ego

O ego é a parte da psique que está em contato com a realidade externa. Ele se desenvolve a partir do id, à medida que o bebê toma ciência de sua própria identidade, para atender e aplacar as constantes demandas do id.

Para realizar isso, como a casca de uma árvore, o ego protege o id, mas também obtém energia dele. Ele tem a tarefa de garantir a saúde, segurança e sanidade da personalidade. Freud pressupunha que o ego tem diversas funções em relação tanto ao mundo exterior quanto ao mundo interior, cujos anseios ele procura satisfazer.

Suas principais características incluem o controle do movimento voluntário e as atividades que resultam em autopreservação. Ele se torna ciente dos eventos externos, relaciona os aos eventos do passado e, mediante atividade, evita a condição, adapta-se a ela ou modifica o mundo externo para torná-lo mais seguro ou mais confortável.

Para lidar com "eventos internos", ele tenta manter controle sobre "as demandas das pulsões, decidindo se elas podem obter satisfação, adiando esta satisfação para os momentos e circunstâncias favoráveis no mundo externo ou suprimindo suas excitações por completo" (1940, p. 2-3).

As atividades do ego consistem em regular o nível de tensão produzida pelos estímulos internos e externos. Um aumento de tensão é sentido como desconforto, ao passo que uma diminuição de tensão é sentida como prazer. Portanto, o ego busca o prazer e procura evitar ou minimizar a dor.

Assim, o ego é originalmente criado pelo id como tentativa de lidar com o estresse. Entretanto, para fazer isso, o ego deve, por sua vez, controlar ou modular as pulsões do id, para que a pessoa possa perseguir modos realistas de lidar com a vida.

O ato de namorar serve como exemplo de como o ego controla as pulsões sexuais. O id sente a tensão oriunda da excitação sexual insatisfeita e, sem a influência do ego, reduziria esta tensão através de atividade sexual imediata e direta.

Dentro dos limites de um namoro, contudo, o ego pode determinar quanta expressão sexual é possível e como estabelecer situações em que o contato sexual seja mais satisfatório. O id é sensível às necessidades, ao passo que o ego é sensível às oportunidades.

O superego

Esta última parte da estrutura da personalidade se desenvolve a partir do ego. O superego serve como juiz ou censor sobre as atividades e pensamentos do ego. Ele é o repositório de códigos morais, de padrões de conduta e dos construtos que formam as inibições para a personalidade. Freud descreve três funções do superego: consciência, auto-observação e formação de ideais.

Como consciência, o superego atua para restringir, proibir ou julgar a atividade consciente, mas ele também age inconscientemente. As restrições inconscientes são indiretas, aparecendo como compulsões ou proibições. "O sofredor [...] se comporta como se estivesse dominado por um senso do qual nada sabe" (1907, p. 123).

O superego desenvolve, aperfeiçoa e mantém o código moral de um indivíduo. "O superego de uma criança, na verdade, se constrói sobre o modelo, não de seus pais, mas do superego de seus pais; os conteúdos que o preenchem são os mesmos, e isso torna-se o veículo da tradição [...], as quais se propagaram dessa forma de geração para geração" (1933, p. 39). Portanto, a criança aprende não apenas os reais limites em qualquer situação, mas também as visões morais dos pais.

terça-feira, 22 de outubro de 2019

FREUD E A LIBIDO


A libido é o conceito de Sigmund Freud que designa o aspecto mental da energia sexual que está por trás das várias transformações dos impulsos sexuais. É um conceito teórico que, como veremos, foi elaborado em princípio para esclarecer as observações clinicas patológicas de pacientes neuróticos, em que as tensões sexuais associadas a ideias sexuais eram tidas como fundamentais no aparecimento da angústia e de outros sintomas. 

A libido ocupou um lugar cada vez mais importante na teoria freudiana do psiquismo e no seu desenvolvimento. Com o tempo, Freud passou a incluir observações de afecções mais psicotizantes, como a psicose maníaco-depressiva, a hipocondria e a paranoia.

O conceito de libido seria substituído pelo Eros, ao qual foi incorporado, quando Freud introduziu uma teoria da sexualidade mais ampla e correlacionada com a filosofia da Antiguidade. Podemos encarar as mudanças teóricas de Freud como uma passagem da investigação das minúcias da vida sexual dos seus pacientes para a consideração do lugar fundamental da vida e da morte na condição humana.

Na teoria freudiana das pulsões sexuais, libido é um conceito tanto “quantitativo”, relativo à quantidade hipotética de energia sexual que motiva os impulsos sexuais, quanto “qualitativo”, uma vez que a libido diz respeito especificamente às pulsões sexuais. 

Não deve ser confundido com energia psíquica na acepção geral. Segundo Freud, a libido é [...] uma força quantitativamente variável que poderia servir de medida dos processos e das transformações que ocorrem no âmbito da excitação sexual. Diferenciamos essa libido, por sua origem particular, da energia que se supõe subjacente aos processos mentais em geral, e assim também lhe atribuímos um caráter qualitativo.

A libido é, portanto, um recurso hipotético para medir os processos sexuais, uma unidade imaginária de mensuração quantitativa, é um conceito. É o que o psicanalista francês Jacques Lacan descreveu como [...] Uma quantidade que não se sabe como medir, cuja natureza se desconhece, mas que sempre se presume existir. 

Essa noção quantitativa permite unificar a variação em resultados qualitativos e da certa coerência ao modo pelo qual eles se sucedem. A noção de libido é uma forma de unificação no âmbito dos resultados psicanalíticos.

Por fim, de acordo com Freud, a libido também tem relação com a natureza do amor e do desejo, ou com luxúria e desejo sexual, que é o significado de libido em latim. E aí Freud se afasta das considerações puramente científicas para dar atenção ao campo incerto das emoções humanas.

Para além das fronteiras psicanalíticas a libido ganhou espaço no mundo jurídico ao entrar na composição dos crimes sexuais no Código Penal brasileiro, e numa concepção geral é utilizada como uma palavra que se refere à energia sexual da pessoa, manifestada de diferentes formas.

quinta-feira, 3 de outubro de 2019

CONSELHOS SOCIAIS DINÂMICOS DE CREDITAÇÃO

Por João Batista Nunes



Sem rodeios: aprenda definitivamente que nem tudo que parece ser corresponde aos fatos. Pode haver nas entrelinhas do discurso ou naquela apresentação acima de qualquer suspeita algo que se contradiz e pode guardar um abismo profundo que separa o discurso heroico da vileza e escalada destreza.

Aprendi com aquele sábio professor numa das primeiras aulas de direito penal: “a natureza humana nunca deixará de surpreender, não há limites para a maldade.”

Mesmo as ações mais ingênuas, de promoção social, de incentivos e visibilidade, de patrocínio, do que se afigura benemérito, boas práticas sustentáveis, socioambientais, socioeducacionais e inclusivas, muitas vezes podem estar maculadas por vícios e descaminhos, articulados por mente sinistra, motivada por princípios sorrateiros e desumanos.

Exemplos nos registros da história não faltam. Pessoas e instituições que foram enganadas por anos a fio se ressentem de terem deixado escapar sinais quase imperceptíveis desse nível de manipulação e exploração da credulidade.

O cerne da questão é que estamos vivendo tempos valorização da solidariedade nos seus diversos aspectos, com uma gama de temas que mexem com o muito que ainda existe de sensibilidade humana, e isto encorajado pelo fato de que existem recursos, pessoas e instituições que estão prontas a gastar, a destinar, a fazer concessões, alocações, para a promoção do bem-estar de segmentos, grupos e indivíduos. Isto porque fazer o bem, faz bem.

Considero que seja de grande relevância que você (na qualidade de pessoa física ou jurídica) observe algumas pontos de realce que devem ser levados em conta na hora de se fechar um pacote de doação ou patrocínio:

1º - vá além das informações contidas e arranjadas no projeto/proposta; conheça in loco escritório, local, equipes, pessoas próximas e em arredores, testemunhos de fornecedores etc.;

2º - sendo um empreendimento, evento, projeto a pequeno, médio e longo prazos, busque conhecer a equipe gestora. Cuidado! Ao constatar que esta ou aquela organização, ação, evento ou projeto é gerido por uma única pessoa, desconfie. Quase sempre essa pessoa é a principal beneficiária. De alguma forma obscura, ela consegue manter a coesão de grupos de pessoas, mas que, por meios subterrâneos esconde seu verdadeiro “potencial”;

3º - vá além dos demonstrativos de despesas. A maquiagem dos custos pode ir além das aparências e atitudes pseudotransparentes podem esconder ciclos viciosos entre a pessoa proponente, fornecedores e até patrocinadores da má-fé.

Uma medida antifraude eficiente seria a institucionalização de Conselhos Dinâmicos de Creditação, com membros da sociedade, com competências em contabilidade, logística, investigação fiscal, administração entre outras, para fiscalizar nos mínimos detalhes a natureza de eventos, projetos e ações de fins beneficentes, feitos com recursos de origem diversa.

O CONSELHO SOCIAL DE CREDITAÇÃO é quem iria atestar, depois de uma análise criteriosa, esmiuçada, que aquele determinado evento, naquela dado momento, nem antes nem depois, estava dentro dos conformes de transparência, realmente transparente.

A solidariedade e a participação voluntária em prol do bem comum são as atitudes que melhor definirão o presente século, mas isto não quer dizer que não se faça acompanhar de instrumentos técnicos e operativos de detecção de possíveis fraudes, ou mesmo de validação de credibilidade, investindo de autoridade, seriedade e compromisso verdadeiro com o bem-estar das causas sociais que se propõe defender, quando idealizado na primazia da transparência, não turvada, mas cristalina como manda a verdade e a justeza da probidade.

Para gestores de empreendimentos beneficentes e de bem-estar coletivo, fornecedores e patrocinadores que seguem a cartilha da ética e das boas práticas, não há o que temer. Do contrário, é bom repensar as práticas obscuras, porque a honestidade não confere lucro rápido, mas produz honra e prosperidade em todas as esferas de atuação humana.


quinta-feira, 5 de setembro de 2019

NA SEMANA DO BRASIL, UM CHAMADO À SOBERANIA


"Modus operandi* é uma expressão em latim que significa o modo de operar ou executar uma atividade seguindo, geralmente, os mesmos procedimentos. É exatamente assim que a França opera no Brasil há mais de 500 anos.

Desde o início da nossa colonização, para que houvesse a conquista desse Novo Mundo, se fazia necessário estabelecer um bom relacionamento com as tribos nativas.

Percebendo a rivalidade natural entre os novos “donos das terras”, que buscavam colonizá-la aprisionando os índios e os escravizando, os franceses exploraram uma relação descomprometida em razão de legalmente não terem direito sobre o Mundo Novo.

Contrariando o Tratado de Tordesilhas, adotavam estratégia de serem os primeiros a ocupá-la. Defendendo o princípio do direito internacional “uti possidetis”, pelo qual a terra pertence a quem dela toma posse.

O controle da população ameríndia foi decisivo na nossa colonização, sendo as alianças com as diversas tribos fator de vitória ou derrota.

Logo os franceses se aperceberam que conquistar um território tão hostil passava pelas referidas alianças.

A não homogeneidade entre as diversas tribos, em razão de não terem a mesma cultura e os mesmos costumes, apesar de algumas semelhanças, facilitou a aproximação entre eles.

Os portugueses, colonizadores, eram vistos como o inimigo maior, como explica o professor Carvalho França: “Os franceses não colonizaram a região, e é a colonização, o implantar-se na terra, que cria animosidades”.

Foi assim que, sempre através da conquista dos índios, os franceses obtiveram facilidades nas invasões e saques ao nosso Brasil. Como registro histórico desse relacionamento, temos, já em 1509, a ida de sete índios brasileiros ao porto de Rouen, levados pelo capitão Thomas Aubert.

Em 1512, aparece uma descrição do desfile dos indígenas pela cidade. “Eram originários dessa ilha que chamam Novo Mundo, e chegaram a Rouen com sua barca, seus adornos e as suas armas. Têm a cor carregada e os lábios grossos. Seus rostos são recortados por cicatrizes. Não têm pelos nem barba, nem no púbis nem em qualquer outra parte do corpo, salvo os cabelos e sobrancelhas”. Pasmo, o cronista acrescenta: “Falam pela boca”.

E continua: “Fomos e somos usados ao longo da nossa história. Nossa flora e nossa fauna foram saqueados durante todos esses séculos até os dias atuais”.

Para ilustrar o que já ocorria em 1550, transcreve narrativa do historiador Jean Marcel Carvalho França, sobre o circo tupi na França: “Por entre árvores carregadas de frutas e folhagem exuberantes, exibiam araras e papagaios, e gorjeavam diversas outras aves. Macacos e saguins corriam para o solo e dali voltavam aos seus esconderijos.”

“Ao redor, uma paliçada servia de muralha protetora. Atrás dela, estavam cerca de 300 homens de cabeleira revoltas, bronzeados e nus, ou vestidos de inocência, como descreveu Cristóvão Colombo em seu primeiro contato com os indígenas da América”.

“Os brasileiros traziam seus rostos enfeitados, suas faces e orelhas furadas e entrelaçadas de pedras longas, brancas e verdes. Uns atiravam flechas tentando acertar aves e pequenos animais, outros corriam atrás dos macacos. Ali perto, um grupo cortava madeira, que trocava por machados, foices e rastelo de ferro com marinheiros franceses”.

“De repente, um conflito: surgidos do meio da mata, Tabajaras iniciam um combate com os Tupinambás”. A batalha e o escambo, muito comuns no litoral sul da América recém-descoberta, não era lá, mas na francesa Rouen, na foz do rio Sena e capital da Normandia. De brasileiros mesmo, havia 50 indígenas, provavelmente Tupinambás, afirma o brasilianista Ferdinand Denis.

O acontecimento fazia parte da “entrada” do rei francês Henrique II e de sua mulher, Catarina de Médici, na cidade. Era uma disputa entre Lyon e Rouen, para mostrar ao rei como era a vida e os costumes dos habitantes do Brasil. Já naquela época, nós, brasileiros, em conjunto com nossa fauna e flora, divertíamos os franceses. Éramos as marionetes do palco.

Antes, em 1540, o rei Francisco I ironizou a decisão do Papa acerca do Tratado de Tordesilhas: “Gostaria de ver a cláusula do testamento de Adão que me excluiu dessa partilha”.

Não era apenas pelo pau-brasil que os franceses cobiçavam o nosso Brasil. A moeda, ducado, continha 3,5 gramas de ouro. Peles de animais estavam cotadas a 3 ducados, e papagaios que falassem francês valiam 6 ducados.

“A eterna camaradagem” dos franceses com nossos índios tinha como objetivos enfraquecer o colono português, dificultando nossa colonização; fomentar a discórdia entre as tribos rivais, incentivando as guerras entre eles; ter mão de obra local na captura de animais e na derrubada de nossas florestas de pau-brasil; tê-los como guerreiros para enfrentar os donos da terra.

Assim como há cinco séculos, assistimos hoje tudo do mesmo. Nossos cooptados caciques estão em Paris fomentando o fogo na floresta. Tudo igual, o modus operandi, as mesmas técnicas, os mesmos personagens. Nós, brasileiros, temos memória curta."

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Modus operandi é artigo publicado no dia 05 de setembro por Roberto Cavalcanti, Coluna Opinião/Correio da Paraíba.

sexta-feira, 19 de julho de 2019

O INCONSCIENTE


Esse foi o título inaugural de Sigmund Freud, médico neurologista e criador da escola de pensamento psicanalítico ou a psicanálise. Um tema que era do interesse apenas de estudiosos da filosofia e das ciências psi, psicologia, psicanálise e psiquiatria para adentrar o mundo das ciências sociais aplicadas. Nesse caso, jornalistas, publicitários, gestores sociais e operadores do direito têm demonstrado especial atenção à existência de um mundo de domínio subjetivo, o inconsciente.

A analogia mais utilizada para se obter a dimensão do inconsciente é a do iceberg que no mar torna claro apenas aquele bloco de gelo que pode ser um pequeno monte escondendo a enorme montanha submersa, escondida aos olhos do observador, demonstrando a ideia de que muitos conteúdos que verbalizamos ou exprimimos através dos mais variados gestos encontram respostas emocional e motivacional em nosso inconsciente.  

Em seu Vocabulário da psicanálise, Laplanche e Pontalis afirmam que, “ se fosse preciso concentrar numa palavra a descoberta freudiana, essa palavra seria incontestavelmente a de inconsciente”. Creio que a quase-totalidade dos téoricos em psicanálise concordaria com esta afirmação, embora nem todos concordem quanto à significação, à extensão e aos limites daquilo que entendem por inconsciente.

Uma das maneiras de se começar a falar no inconsciente freudiano pode ser a de se apontar o que ele não é, ou então, a de se marcar a sua diferença com relação àquela concepção de subjetividade dominante até Freud. 


O termo “ inconsciente” , quando empregado antes de Freud, o era de uma forma puramente adjetiva
O Inconsciente 169para designar aquilo que não era consciente, mas jamais para designar um sistema psíquico distinto dos demais e dotado de atividade própria.

A concepção que mais se aproximou da de Freud foi a de Herbart, que mesmo assim não falava de um psiquismo topograficamente dividido em sistemas, mas de ideias que continuavam dinamicamente ativas após terem sido inibidas pelas demais. Qualquer que tenha sido, porém, a noção de inconsciente elaborada antes de Freud, o fato é que ela não designava nada de importante ou de decisivo para a compreensão da subjetividade.

Um outro aspecto importante a ser ressaltado é o da identificação do inconsciente com o caos, o mistério, o inefável, o ilógico etc., e esta identificação ocorreu tanto anteriormente a Freud como no interior do próprio espaço do saber psicanalítico. Até hoje encontramos “descrições” do inconsciente como sendo o lugar da vontade em estado bruto e impermeável a qualquer inteligibilidade.

Aqueles que identificam o inconsciente freudiano com o caótico e o arbitrário devem reler o capítulo VII da Traumdeutung, quando Freud declara enfaticamente que não há nada de arbitrário nos acontecimentos psíquicos, todos eles são determinados. 

Aqueles que identificam o inconsciente freudiano com o caótico e o arbitrário devem reler o capítulo VII da Traumdeutung, quando Freud declara enfaticamente que não há nada de arbitrário nos acontecimentos psíquicos, todos eles são determinados. 

Os fenômenos lacunares são, portanto, indicadores de uma outra ordem, irredutível à ordem consciente e que se insinua nas lacunas e nos silêncios desta última. Essa outra ordem é a do inconsciente, estrutura segunda, e que não é apenas topograficamente distinta da consciência, mas é formalmente diferente desta. O inconsciente não é o mais profundo, nem o mais instintivo, nem o mais tumultuado, nem o menos lógico, mas uma outra estrutura, diferente da consciência, mas igualmente inteligível.

João B Nunes

quarta-feira, 17 de julho de 2019

A CHEGADA DO CIRCO NO JEREMIAS



O Bairro do Jeremias em Campina Grande possuía, à época, uma população de quase 11 mil habitantes, ruas íngremes, ladeiras esburacadas, paisagens monocromáticas, mães e meninos barrigudos a observar o acontecer de cada dia, a prestanista Dona Severina passando com suas bacias, panelas de pressão, jogos de lenções e penicos de plástico, tudo em suáveis prestações no cartão (literalmente um cartão róseo de papelão onde se notava a quitação das quinzenas), a carvoaria de Seu Pretim dava uma ideia que o tempo tinha se esquecido de passar naquela região da cidade. 

A missa dos domingos, as novenas, os cultos na igreja dos crentes, a difusora de Laura de Chico Venâncio e o jogo no campo do Galícia era o que se tinha como agenda familiar. Se bem, que em certos dias, o arrasta pé do forró da SAB (Sociedade de Amigos do Bairro) era o máximo. 
Mas aqui e acolá uma moça era desencaminhada por algum sujeito sem compromisso, o forró acabava com um corre-corre, o fi de Seu Chico Cangula enfiou a faca no buxo de um cabra que se estrebuchava no chão do salão. No final, não tinha quem dissesse quem foi ou quem não foi o autor do crime.

Para a molecada a coisa mudava de feição sempre que aparecia um parque de diversão com aquelas mesmas opções de sempre sendo que parecia ser uma novidade. Seu Jorge da Palmeira, pai de Miguel tinha um. Com tiro ao alvo, com chumbinhos que ninguém acertava, com o lança argolas com direito a vários brindes, o carrossel com os cavalinhos pintados de cores diferentes e a roda gigante que dava aquele friozão na barriga cada vez que parava no alto. Para quem ia prevenido no bolso, tinha a barraca da maçã do amor (aquelas caramelizadas), a barraca das roletas de cana, a barraca da batatinha frita, feita com aquele óleo reutilizado de tantas e tantas outras frituras, e o homem do carrinho de pipoca. 

Dava para se ver que poucas pessoas com seus filhos realmente usufruíam daquelas opções de lazer e entretenimento. Não importava, assim mesmo o parque se enchia de gente miúda achando o máximo simplesmente em estar transitando por aquele espaço tão colorido e iluminado por aquelas fios intercalando as lâmpadas que ao longe dava a ideia de um lugar aonde a diversão não teria fim. 

Ali era o lugar onde não apenas a gurizada deixava fruir alegrias como os próprios adultos, pais, mães e tios não se continham e a pretexto de acompanharem as crianças esbanjavam emoções há muito represadas.
Quando menos se dava fé, o parque já não estava lá, apenas o espaço vazio dentro daquela imagem que compunha a feirinha do bairro.

O bairro era outra vez sacudido com as trombetas difusoras da velha Chevrolet anunciadas, na voz do palhaço, que o Circo acabara de chegar para alegria de todas as crianças. Confeitos arremessados ao ar para o atropelo alvoraçado de um grupo de crianças que vinham correndo atrás do carro. eram o mote da chamada às atrações “inéditas” prometidas para a “grande estreia!!!”

Enquanto o palhaço no calor intenso da manhã ensolarada descia e subia as ladeiras do bairro, o fumaceiro do cano de escape de um motor já vencido pelo desgaste criava uma espécie de névoa tóxica que se misturava as cabeças da gurizada teimosa em seguir aquele carro.

O Circo era aquela estrutura mediana, coberta com uma lona amarela e azul, com algumas estrelas brancas espalhadas no alto. Rodeado por grades de ferro que davam para duas bilheterias borboletas giratórias, um ônibus onde se alojavam os artistas e demais trabalhadores, dois carros de pequeno porte, um caminhão já sofrido, e o espetacular ônibus da “Monga”, a mulher que se transformava em gorila. 

Tudo aquilo gerava uma atmosfera de mistério. A pintura do ônibus apresentava uma mulher mal desenhada, de biquíni, e perto dela a imagem de um gorila com ares de violenta ameaça. E um letreiro bem destacado: “Monga”, no espaço a baixo, em letras menores, a “Mulher Gorila.” 

Muita gente que não podia pagar o ingresso se assustava somente com os grunhidos emitidos naquele ônibus do medo. As crianças chegavam a ter pesadelos com aquelas imagens que se formavam na mente. No clímax do espetáculo, o Gorila que agora já não tinha mais nenhuma mínima expressão do humano que ainda pouca esboçava um rosto feminino, sacodia a grade que o separava do pequeno público e tentava se sair furioso em direção as pessoas, mais um ou dois sustos uma cortina preta de uma lado e do outro vermelha fechava a parte que separava os dois ambientes dentro do velho ônibus.

Na parte do picadeiro, dentro do circo propriamente, as brincadeiras de palhaços tomava conta. Eram números simplórios e repetitivos que arrancavam sorrisos e aplausos da plateia, geralmente com atuações de situações atrapalhadas, revides, deita e rola, performances de gesticulações e malabarismos davam o tom da parte inicial da noite de estreia. 

Depois vinha o mágico com seus truques mirabolantes, nada de mulher que era cerrada ou que desaparecia, nem coelho na cartola. Era tudo muito simples como retirar das mangas da camisa uma série de lenços coloridos, uma pequena exibição pirotécnica restrita ao espaço de uma pequena bancada, para fazer sumir um objeto e convidar alguém da plateia (já treinado para tal, sem ninguém saber, é claro!) e esse mesmo objeto aparecer em seu bolso.

O trapézio era um dos pontos máximos. Uma mulher de biquíni revestido com lantejoulas brilhantes executava algumas manobras que iam atingindo um grau de dificuldade e prendia os olhares da plateia nas piruetas que dava. Em sequencia, a corda bamba e a perícia de uma artista com seu bastão, indo e vindo encenando ao longo do trajeto algum movimento que desse a ideia de que iria cair naquele momento.

Não havia animais, como poderia ter pelo menos um leão aposentado daqueles que são vendidos dos circos de grande porte. No caso desses circos que vão de bairro a bairro, o custo de manutenção comprometeria a subsistência dos trabalhadores. Afinal, ser artista circense em dias como aqueles não era fácil nem rendia dinheiro. Os que se dão a promover o sorriso de uma plateia geralmente tende a percorrer um caminho de desafios permeado muitas vezes de tristezas e dissabores.

Nos últimos dias do circo no bairro, aquele mesmo carro passava chamando a população para a despedida do “grande circo” e por isso os ingressos custariam a metade do preço normal, ninguém podia faltar! Desta vez nem tinha o lançar dos bombons muito menos o alvoroço das crianças, apenas os gritos do anunciador.

As últimas noites eram lotadas, o que muitos não sabiam era que as apresentações também eram pela metade. Contudo, o prazer de viver um ambiente diferente de entretenimento para tantos expectadores valia a pena.

Por João B Nunes
Formado em psicologia e acadêmico de direito.