quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

DEPUTADO PE. ARISTIDES FERREIRA DA CRUZ



Os idos de 1926 no interior do sertão da Paraíba foram marcantes pelos acontecimentos sociais, políticos e religiosos que se desenrolaram de forma pulsante culminando com um final trágico tendo como protagonista a Coluna Prestes e o assassinato de um grupo de cidadãos da conturbada cidade de Piancó, entre as vítimas do massacre seu principal personagem: o Pe. Aristides.

O cenário era tipicamente cristalizado por flagelos históricos reprodutores de uma dura realidade. O interior do Estado era dominado pelas famílias tradicionais, muitas delas com poderes originados no Brasil Império, com ramificações em vários estrados de influencia política. A seca inclemente castigava de forma assoladora com a estiagem prolongada fazendo a vegetação, a estrada empoeirada e as ondas de calor tremulando sobre as pedras, o conjunto desesperançoso. Por todos os lugares o banditismo imperava, com ameaças constantes entre cangaceiros e cabras sob o comando de coronéis das inúmeras seismarias. Era tempo do Presidente da República Epitácio Pessoa, Presidente da Parahyba João Suassuna, Senador Venâncio Neiva e tantos outros expoentes da cena política.

Na Assembleia Legislativa, não poderia passar despercebido o Deputado Padre Aristides, defensor de Piancó. Muito desse personagem foi narrado por Manoel Otaviano no livro "Os Mártires de Piancó" (editora Teone S.A., 1955).

Padre Aristides Ferreira da Cruz, à época dos grandes conflitos sociais, não era de frequentar a imprensa, porque escrevia mal a lingua vernácula; não era de se preocupar com a prosódia de certos vocábulos e muito menos com a correção de frases. Em Piancó, foi pároco por longos anos de intenso trabalho de restruturação da sede da igreja e reformas nas paróquias locais. Foi amigo da família mais tradicional da região e grande força política do sertão, a família Leite, tendo como chefe o Dr. Felizardo Leite.

Depois de algum tempo, rompeu com os Leites prometendo lutar enquanto houvesse força para destroná-los do poder e apagar-lhes os nomes da história política de Piancó. Travaram-se intensos debates e campanhas políticas as mais baixas e infamantes possíveis de ambos os lados. Ora acusado de manter em sua casa grupos de jovens com os quais fazia verdadeiras orgias, ora acusado de desencaminhar uma moça que mantinha em casa e com a qual tivera uma filha, acabou por fim sendo afastado pela Diocese da Paraíba de seus atividades como pároco.

Sentindo-se injustiçado pelas acusações, revolveu oficializar sua relação com a mulher com quem teve quatro filhos. Ocupou seu primeiro mandato como deputado estadual com grande prestígio e apoio de seus correligionários. Mandava empregar seus seguidores na região de Piancó, perseguia tenazmente seus opositores, afastava delegado, prendia, mandava soltar, intervinha nos despachos e decisões do juiz da cidade formulando as próprias sentenças de acordo com as suas próprias conveniências. Não perdia oportunidades, incutia nas mentes dos que eram alvos de sua propaganda que era preciso e urgente acabar de vez com a "velha política do 'eu posso, eu quero e eu mando', a velha oligarquia dos Leites!" Era precisa tornar Piancó livre!

Em Plenário, todos os dias ocupava a tribuna e, mesmo em mal português, muitas vezes arrancava palmas das galerias, por sua verve ferina e respostas oportunas aos adversários, em apartes queimantes. Atingia-os com a força de argumentos convincentes e de sutilezas lógicas, preciso e incisivo como um perito esgrimista. 

Seu slogan era: "amigo meu não peca", seu princípio: "Para inimigos políticos, justiça; para amigos, favores." Linguagem chã, ao sabor do povo menos entendido, criava por vezes, engraçados neologismos. A sua lógica é que não bambeava. Argumentava com firmeza, convicção e destemor, com o indicador em riste, voz limpa e atroante, com todos os dotes de grande orador. Certa vez, rebatendo apartes de seus opositores, no mais aceso dos debates, afirmou: "Em Piancó há somente dois chefes: eu que superintendo os destinos do velho Município sertanejo e Felizardo Leite, oposicionista, que me combate. Não nego e nunca neguei o seu valor político. Já disse a meus amigos que, si eu morrer primeiro, aceitem a sua orientação e não procurem outro alí, porque não existe. Tudo mais é figura de papelão, como este pobre diabo (e apontava para José Parente, um oposicionista representante dos Leites) que é como prego: tem cabeça, mas não tem juízo!"

Depois dessa, um misto de gargalhadas e protestos tumultuaram a sessão, obrigando o presidente a suspendê-la até o restabelecimento da ordem.

A Coluna Prestes era subdividida em vários destacamentos, duramente combatidos pela campanha propagandista do governo central que reunia forças ao longo das marchas pelos sertões para resistir. As cidades eram esvaziadas e ao mesmo tempo, guarnecidas por misto de defensores o que incluía soldados da Política Militar, jagunços de coronéis, pistoleiros de aluguel, cangaceiros e homens comuns que se armavam para a peleja.

Nesse particular da segurança no "Velho Oeste" do interior da Paraíba, vale destacar os esforços do governo de Solon de Lucena e posteriormente o do Dr. João Suassuna, nos idos da década de 1920.

Registra-se que os revolucionários, talvez, não visavam atacar vila, nem cidade sertaneja, nem o itinerário fazia parte daquele perímetro. Porém, imprevistos circunstanciais os levaram a esse rumo. Descendo de São João do Rio do Peixe, acamparam-se como flanco-guarda-esquerda nas proximidades das duas cidades que pretendiam atacar: Patos e Pombal. 

Enquanto isso, o flanco-guarda-direita descia pelo rio Piancó, atravessaram as serras de Boa Vista, Pedra Ferrada e Pitombeira, alimentando-se de carne de cabras.

A 1º de outubro de 1926, sob o comando do Pe. Aristides, guarneciam a vila de Piancó apenas doze soldados e trinta e dois paizanos, todos relativamente municiados.

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