segunda-feira, 11 de janeiro de 2016

CRISTIANO LAURITZEN E A CAMPINA DE OUTRORA


























Senhor Ministro[1], Vossa Excelência não se envergonha, como paulista brasileiro, que um estrangeiro, conquanto brasileiro naturalizado, venha de tão longe, do fundo de um lugarejo perdido nos sertões do Brasil, advogar perante o governo do país, a realização de um benefício de suas economias de pequeno comerciante, e ainda tenha o desprazer de arrostar com o desdém manifesto de um órgão do poder público?

A história rica, fértil e interminável de Campina Grande é a saga dos heróis de legendas, dos forasteiros leais que em tempos de outrora defenderam bravamente as melhores causas, lutando nas grandes batalhas em diversos campos e áreas por esta terra que os acolheu. Aqui eu destaco apenas alguns lampejos da vida e trajetória de um forasteiro ilustre, um homem que deixou sua longínqua cidade Jurlândia  na Dinamarca e depois de percorrer todo o Nordeste brasileiro escolhe Campina Grande para ser seu lar pelo resto da vida.

Quais os verdadeiros motivos que o fizeram deixar sua terra natal ainda hoje é uma incógnita. 
O fato é que, em chegando à Campina, Cristiano vindo do Recife onde se dedicava à venda de joias e compra de ouro, instruído, demonstrou que tinha sangue nas veias para lutar pelas melhores causas da Rainha da Borborema, e que mais tarde, o tempo provou, que ele tinha altivez e honra para se sobrepor a política local que, à época, já se mostrava reificada na mediocridade coronelista.

Com efeito, como muito bem destacado por Evaldo Gonçalves de Queiroz, Campina sempre teve o dom de ser uma cidade cosmopolita. Por aqui desfizeram as malas alemães, árabes, libaneses, dinamarqueses, portugueses, franceses, chineses, holandeses, sírios, japoneses, entre tantos outros, e se destacaram no comércio, na educação, saúde, religião e política. Contribuíram, juntamente com as famílias mais tradicionais da terra, para que se tornasse uma cidade destacada dentre as demais do Estado, pela inventividade e visão progressista.

Quem viveu os tempos de outrora em Campina sabia muito bem que este lugar evoluído a partir do ponto de encontro de tropeiros, tinha todos os indicadores para jamais vir a ser uma cidade, de fato. Não tinha o essencial elemento em torno do qual se enraíza as gentes: a água. Nem sequer fontes alternativas que pudesse sinalizar vantagem de se morar. Não existia expectativa senão a transitoriedade do local, nada mais. Porém, Campina nunca se rendeu a limitações por mais sérias que se mostrassem.

Sinval Odorico de Moura, Bacharel Formado em Ciências Jurídicas e Sociais pela Academia de Olinda, Oficial da Imperial Rosa, e Presidente da Província da Paraíba do Norte: Faço saber a todos os seus habitantes que a Assembleia Legislativa Provincial resolveu, e eu sanciono a Lei seguinte:
Art. Único – A Vila de Campina Grande fica elevada a categoria de cidade, conservando a mesma denominação, e revogadas as disposições em contrário.
Mando, portanto a todas as autoridades, a quem o conhecimento e execução da presente Resolução pertencer, que a cumpram e façam cumprir e guardar tão inteiramente como nela se contém. O Secretário desta Província a faça imprimir, publicar e correr.
Palácio do Governo da Paraíba, em 11 de outubro de 1864. 


Lauritzen, aqui, instalado, constitui família, desenvolveu seu comércio. Competência profissional, inclinação para a vida pública, um gentleman devotado às causas da cidade. Um exemplo de disponibilidade, espírito público, probo em suas ações. É descrito como um abnegado servidor de Campina. Elpídio de Almeida ao dar valiosa contribuição sobre a História de Campina dedicou espaço ao registro do desempenho de Cristiano Lauritzen, fazendo-lhe justiça, assim como tantos outros historiadores fiéis aos fatos mais destacados de sua evolução.
Aos 36 anos, o mancebo se casou com uma das filhas dos homens mais influentes de Campina Grande.  O sogro além de grande comerciante era também importante político, Presidente da Câmara Municipal. 

Conforme exposto por Evaldo Gonçalves, em 1885 recebia das mãos do Juiz Antônio da Trindade Meira Henriques a presidência do Partido Conservador.

Ainda de acordo com Gonçalves, com o advento da República, mereceu do primeiro Presidente, Venâncio Neiva, a confiança da escolha para membro e Presidente do Conselho de Intendência, novo órgão republicano que substituía as antigas Câmaras Municipais e que acumulavam as funções executiva e legislativa, na pessoa de seu Presidente e de dois outros membros.

Esse seu primeiro mandato durou apenas dois anos, ou seja, até 1892, tendo sido destituído pelos liberais campinenses, em face da renúncia do Marechal Deodoro da Fonseca e sua substituição pelo Marechal Floriano Peixoto. O Presidente Venâncio Neiva ficou solidário com o Proclamador da República e, por essa razão, perdeu a Presidência do Estado, levando consigo todos os seus amigos, inclusive Cristiano Lauritzen.

Nesse curto período de dois anos de administração, o campinense Cristiano Lauritzen realizou muito pela cidade. Conseguiu economizar recursos para a construção do prédio, onde iria funcionar o Ginásio Alfredo Dantas; assegurou a compra do relógio da Matriz, hoje Catedral de Campina Grande e fez uma viagem ao Rio de Janeiro para cuidar, junto aos poderes da República, da extensão da linha de ferro até à cidade que governava, como Presidente do Conselho de Intendência. Foi eleito Deputado Estadual constituinte para a elaboração da nossa primeira Constituição Paraibana, ocupando todos os espaços na vida político-administrativa campinense.

Em 1903, com seus próprios recursos pessoais e sem ser detentor de mandatos, viajou ao Rio de Janeiro, em busca de solução para a ferrovia, que deveria ligar Itabaiana à Campina Grande. Conseguiu uma audiência com o então Ministro da Viação da República; surpreendendo a todos com sua sinceridade diante da aparente insensibilidade do Ministro.
Perdão, o Sr. não me compreendeu. O Governo não se descura dos problemas que afetam a economia do país, dentro das possibilidades orçamentárias, mormente se tratando de intercomunicação ferroviária nos Estados, cujas vantagens não teríamos a inépcia de obscurecer. Posso assegurar-lhe que a secretaria, que eu tenho a honra de dirigir é a primeira a reconhecer a utilidade do que o Sr. pleiteia e, como lhe cumpre tomará as iniciativas que preliminarmente se impõem. Da sinceridade dos seus sentimentos e propósitos o Sr. pode voltar seguro à sua terra.

A cena terminou com o forte aperto de mão e palavras de aplausos do General Almeida Barreto, que disse a Cristiano Lauritzen, logo após terem deixado o Gabinete do Ministro: Você falou “rosado” ao General, só assim aquele “penedo” se mexia.”
O Jornal do Comércio, pela mão do jornalista Artur Aquiles, destacou a dedicação de Cristiano à Campina:

Inteligente, arguto, tenaz e abnegado ás próprias ideias, o distinto homem não olha a sacrifícios nem se poupa a incômodos, sempre que é preciso agir em prol do engrandecimento, não diremos de toda a Paraíba, mas da próspera comarca de Campina Grande e, sobreuto, da respectiva cidade onde, há longos anos, firmou residência, constituiu família e radicou-se definitivamente pela aquisição de invejável abastança.
[...] a sua preocupação, porém, nada tinha de comum com a dos políticos que, do partidarismo, só visam aos proventos pessoais; ao contrário, esquecia por vezes, a própria individualidade, para só saber querer e propugnar pelo engrandecimento material e moral de sua nova e pequena pátria, objetivo que o empolgou e empolga-o ainda como uma obsessão irremovível.


Do Dr. Luiz Nunes, Conselheiro, Escritor e Poeta ilustre, tomamos emprestado este depoimento, em versos:

“Fosse a Quinze de Novembro”,
Os ilustres visitantes,
Como amigos de Lauritzen,
Sentiam-se gratificantes
Com a musical visita,
E não passavam por pedantes.

Irineu Jóffily, se sabe,
Um grande historiador,
Jornalista festejado,
Registrou o seu louvor
A Cristiano Lauritzen,
De quem era opositor.

-Nossas felicitações
Vão, sim, para o cidadão
Porque ninguém, como ele,
Compreende a dimensão
E importância dessa obra
Para a nossa região.

-As grandes dificuldades
Por Lauritzen encontradas,
Esforços desenvolvidos,
Esperanças não frustradas
Traduzem o amor à terra,
Canseiras amenizadas.


João Batista Nunes é psicólogo e acadêmico de Direito.



[1] Registro das palavras de Cristiano Lauritzen (in verbis) ao General Glicério, Ministro da Viação. In: Vultos e Fatos da História, de Hortêncio Ribeiro (s/d). A ocasião tratava-se de uma audiência conseguida não facilmente pelo senador Álvaro Machado e os generais José de Almeida Barreto e João Neiva. A certa altura da conversa, Cristiano havia notado que o Ministro pouco lhe dava atenção, e quando teve que participar do diálogo, o fez de forma desinteressada, desaprovando a ideia da extensão do melhoramento da malha ferroviária de Campina (1880), objeto da reunião, como bem destacado pelo emérito historiador Evaldo Gonçalves de Queiroz em Paraíba: Nomes do Século, vol. 12, União, 2000).


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