Marco Túlio Cícero nasceu em Arpino, cidade do Lácio, a 03 de janeiro de 647 da fundação de Roma e 106 antes de Cristo (a.C)[1]. O nome Cícero pertencia à família Túlio de Arpino, da gens plebeia Cláudia, que veio a ser altamente dignificada pelo incomparável orador. A História Romana, antes de Marco Túlio Cícero, só fazia menção de Cláudio Cícero, tribuno da plebe em 454 a.C.
A palavra parece derivar de cicer, “chicharo” ou “grão-de-bico”;
provavelmente adotou-a como sobrenome de algum antepassado do orador que se
entregara ao cultivo dessa leguminosa, à imitação dos Lêntulos, que tomaram seu
nome da lentilha, e dos Fábios, derivado de faba,
“fava”.
Tal hipótese é sustentada por Plínio na sua
História Natural, XVIII, 3. Plutarco, porém, atribui o sobrenome a um dos
indivíduos da família Túlia, que tinha no nariz uma verruga do tamanho de um grão-de-chícharo. Ainda conforme
Plutarco, chamava-se Hélvia, sua mãe.
Marco Túlio Cícero pertencia a uma família da
ordem equestre, e seu pai, ainda que afastado das lides políticas, mantinha
relações com os homens mais notáveis da época.
O orador Licínio Crasso encarregou-se da
educação de Marco e de seu irmão Quinto; sob a direção do mestre, Cícero ouviu,
em Roma, as lições do poeta Árquias, grego, com o qual estudou os poetas,
historiadores e filósofos da antiga Grécia. Cícero não descurou jamais do
Latim, e, ainda jovem, começou a compor versos; abandonou, logo, a poesia, para
se dedicar, inteiramente à retórica. Para esse abandono contribuiu não só o seu
juízo crítico, mas também, em parte, os temas descritivos que escolhera, como
Nilus; melhores não foram os seus resultados na poesia didascálica, ou na
tradução dos Fenômenos de Arato; escreveu, também, um poema histórico, Marius.
O seu Pontius Glaucus, em versos tetrâmetros, ainda que louvado parcimoniosamente
pelos coevos, parece ser obra medíocre. O gato pela poesia, porém, jamais
abandonou o admirável orador. Bem mais tarde tentou escrever um poema acerca do
seu próprio consulado.
Os contemporâneos não pouco zombaram das
predileções poéticas de Cícero, e Quintiliano cita um verso ciceroniano
notando-lhe a horrível cacofonia (Inst. Or. IX, IV, 41; XI, I,24), verso esse
que figura na X Sátira de Juvenal, verso 122:
O fortunatam
natam me consule Roman! (Ó Roma afortunada, nascida sob o meu consulado!)
Aos 16 anos Cícero vestiu a toga viril;
iniciou-se, a seguir, no estudo das leis e do ritual. Foram seus mestres os
dois Cévolas, o áugure e o pontífice; nesses juvenis estudos tanto se
distinguiu que logo escreveu um tratado sobre direito civil, segundo o
testemunho de Aulo Gélio, obra que não chegou até nós: De Jure Civili in Arte
Redigendo (De como fazer do direito civil uma arte), Aulo Gélio, Noctes
Atticae, I, 22.
As leis romanas exigiam que todo cidadão servisse à república, e Cícero não se
furtou a essa obrigação. Em 87 a.C. tomou parte na campanha de Sila contra os
confederados italianos, servindo sob as ordens do cônsul Pompeu Estrabão. De
regresso a Roma, frequentou as aulas de Filão, grego natural de Larissa, cidade
da Tessália, e chefe dos Acadêmicos, de Diódoto, o Estóico, e de Molão de
Rodes, célebre filósofo e retor.
Com 26 anos iniciou-se Cícero no Foro,
pronunciando a eloquente defesa de Quíncio, Pro Quinctio, tendo como adversário
o famoso jurisconsulto Hortêncio. Por esse tempo, Crisógono, liberto de Sila,
adquiriu por duas mil dracmas os bens de um homem que o ditador havia feito
morrer, como proscrito; Róscio, filho e herdeiro do morto, indignado com
tamanha desfaçatez, provou que os bens vendidos por tão baixo preço valiam 250
talentos. Sila que se viu convencido de injustiça, irritadíssimo contra Róscio,
acusou-o, por instigação do liberto, de parricídio.
Ninguém ousou defendê-lo,
temendo a crueldade de Sila. O jovem Róscio, abandonado de todos, recorreu a
Cícero; esse, atendendo aos amigos que lhe suplicavam aceitasse a causa,
aproveitando, destarte, o ensejo que se lhe apresentava de entrar na carreira
da glória, acedeu em defendê-lo. O sucesso dessa defesa atraiu a admiração
geral sobre o novel advogado; mas o temor do ressentimento de Sila fez com que
se dirigisse à Grécia, a pretexto de tratar da sua saúde um tanto abalada.
Na verdade, segundo o testemunho de Plutarco
e de outros autores contemporâneos, Cícero não gozava de boa saúde; magro e
descarnado, sofria do estômago, que tinha tão fraco a ponto de poder
alimentar-se somente uma vez ao dia, com alimentos leves e parcos.
Na Grécia, Cícero ouviu as lições de Antíoco,
o Ascalonita. Este já afastara da nova Academia e escola de Carnéades de
Cirene, e abraçara a maior parte dos dogmas do Pórtico, a doutrina dos
estoicos, a escola de Zenão. Cícero amava a filosofia e dedicou-se a ela com o
maior entusiasmo, convencido de que um bom orador, antes de tudo, deveria ser
bom filósofo. Projetava, segundo consta, renunciar à carreira de advogado e
retirar-se para Atenas, a fim de viver uma vida tranquila e sossegada entregue
às lucubrações filosóficas. Logo fê-lo esquecer todos os seus planos; esteve,
antes, em Rodes e na Ásia, onde frequentou as escolas dos retores Xénocles, de
Adramita, Dionísio, de Magnésia, península e província da Tessália, e Menipo, o
Cário. Em Rodes, ligou-se estreitamente aos filósofos Apolônio Molão, de
Alabanda, e Posidônio, escritor grego nascido na Síria e discípulo de Panécio.
No ano de 77 vemo-lo em Roma, e, nessa mesma
época, casava-se com Terência. No ano 75, como questor, esteve na Sicília,
passando depois para Siracusa, onde se diz ter descoberto a sepultura de
Arquimedes. Por causa da escassez de trigo que afligia Roma, teve que enviar
para a capital grandes quantidades daquele cereal, mas procedeu com tanta
justiça e tamanha bondade, que conquistou as boas graças de todos os
sicilianos.
Célebre ficou sua ação contra Cornélio
Verres, ex-pretor da Sicília, que cometera revoltantes excessos. Nessa causa Cícero
fez antes a defesa da espoliada Sicília, que ataques hostis ao desavergonhado
Verres, que era apoiado por toda a aristocracia. Quinto Cecílio, cúmplice de
Verres, foi seu principal contendor; seu principal contender; seu primeiro
discurso contra o espoliador foi tão contundente, que o acusado não quis
aguardar a sentença; foi condenado, e a fama de Cícero cresceu de vulto.
Edil em 69 e pretor em 68, apoiou
calorosamente a votação da lei Manília, que concedia a Pompeu o comando supremo
da campanha contra Mitridates, em substituição a Luculo, e que lhe conferia
poderes extraordinários. Pompeu era, então, o chefe da oligarquia, e não foi
sem repugnância que Cícero abraçou a sua causa, esperando reconciliar o Senado
com os cavaleiros por meio de política mais liberal e expansiva. Não resta
dúvida que, na sua atitude de apoiar Pompeu, havia muito egoísmo: o desejo de
obter os favores do partido dominante e obter, assim, o consulado. Apoiado pela
aristocracia, apresentou-se como candidato, juntamente com Catilina, de quem
então já se suspeitava de conspirar contra a República, e que cometera incesto
com a própria filha e matara um irmão. Não obstante a má fama de Catilina, a
ele aliou-se para fazer a campanha eleitoral. Obteve o consulado em 63.
Catilina, que não fora tão afortunado, recomeçou a maquinar contra a República.
Cícero, que descobrira tais intrigas, fê-las abortar, e, apesar da oposição de
César, conseguiu que o Senado o condenasse, bem assim como a seus principais
cúmplices. Datam dessa época as imortais Catilinárias, quatro maravilhosas
orações, cujo exórdio ameaçador e majestoso da primeira assim começa: Quousque tandem abutere, Catilina, patientia
nostra? (Até quando finalmente, ó Catilina, abusarás da nossa paciência?).
O Senado e o povo romano conferiram-lhe o
título de “pai da pátria, pater patriae”, libertador e novo
fundador de Roma.
No seu consulado, lutou Cícero pela elevação
da classe dos cavaleiros, convertendo-a em classe intermediária entre os
senadores e a plebe.
Os louvores que lhe prodigalizaram e a sua
natural vaidade que não perdia ocasião de se por em evidência, atraíram-lhe o
despeito e a inveja de muitos, principalmente dos amigos e partidários de
Catilina; passaram a chamá-lo “o terceiro rei estrangeiro”. No fim do seu
consulado, quando se preparava para pronunciar o discurso que em tais casos ia
fazer-se, o tribuno Metelo tomou-lhe a palavra ordenando-lhe que se limitasse a
jurar não haver feito nada contra a República. Cícero exclamou: Juro haver
salvo a pátria! E a multidão, excitada, a uma só voz, gritou: Juramos que dizes
a verdade!
O principal crime que então se imputava a
Cícero era o de ter feito executar os cúmplices de Catilina sem processo.
Clódio, patrício de maus costumes e que havia
profanado os mistérios da Boa Deusa, fora acusado por Cícero de sacrílego;
conseguiu sair absolvido do processo, e buscava ocasião para vingar-se. Tomou
gladiadores a soldo, fez-se adotar por uma família plebeia e pode, destarte,
tornar-se tribuno da plebe, logrando impor-se aos triúnviros e aos cônsules.
Cícero, precavido, comprou outro tribuno,
Nônio, que se deveria opor a todos os atos do seu colega. Clódio, porém,
jurou que não pretendia praticar nenhuma ação que pudesse prejudicar Cícero, e
este, ingenuamente, consentiu que Nônio abandonasse a oposição; assim o caminho
ficou livre para que o sacrílego pudesse agir. Sem tardança, conseguiu Clódio
que se aprovasse a lei que considerava culpado todo aquele que houvesse enviado
ao suplício um cidadão sem a confirmação da sentença pelo povo. Cícero compreendeu
que a lei fora elaborada expressamente para ele; vestiu-se de luto, deixou
crescer a barba e suplicou aos amigos que o defendessem. Também o Senado se pôs
de luto; os cônsules ordenaram-lhe que voltasse a envergar a púrpura.
2000 cavaleiros, igualmente enlutados,
montavam guarda à casa de Cícero, sempre insultados com soezes injúrias pelos
sicários de Clódio. Luculo aconselhava-o a lutar à frente dos seus contra o
sacrílego; Catão e Hortêncio, mais ponderados e experientes, admoestavam-no a
que não imitasse Catilina; César convidou-o a partir em sua companhia para as
Gálias, e, não tendo Cícero aceito seu convite, ficou grandemente ressentido;
Pompeu abandonando-o à sua própria sorte, retirando-se para sua casa de campo,
pagando, dessa maneira, com a mais crua ingratidão o apoio que o tribuno sempre
lhe prestara. Cícero viu-se sozinho e desamparado, ainda que verdadeiras
multidões o lamentassem; mas nada podiam fazer por ele. Clódio, da tribuna,
acusou-o; o orador não teve outra alternativa senão a de exilar-se
voluntariamente.
A cidade de Hipônio fechou-lhe as portas; a
Sicília igualmente o rechaçou, e finalmente, um Brundísio, cidade e porto da
Calábria, no sul da Itália, atual Brindes, o acolheu Lênio Flaco; mas, não se
julgando suficientemente seguro, dirigiu-se para a Mísia, província da Ásia
Menor, encontrando em Diráquio, atual Durazzo, cordial acolhida. Com o fito de
permanecer mais perto da Pátria, dirigiu-se Tessália, onde chorou de desespero;
não se suicidou unicamente por receio de ser a sua memória esquecida dos
homens. Naquela oportunidade lembrou-lhe o oráculo de Delfos, que, quando da
sua estada em Atenas, fora consultar: “Se quiseres a maior glória, hás de
seguir não a opinião do povo mas a tua própria natureza”.
João Batista Nunes é psicólogo e acadêmico de Direito.
João Batista Nunes é psicólogo e acadêmico de Direito.
[1]
Texto de acordo com a tradução remida do Latim de Tassilo Orpheu Spalding, in:
Clássicos Cultrix, 1964.
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