segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

BICICLETA NA HISTÓRIA

Houve tempo em que as pessoas costumavam andar para as mais variadas direções de distancia curta. Mas quem tinha pressa, ia de bicicleta. A evolução do uso consagrou o ciclismo, alias um item de mobilidade fortemente atrelado à sustentabilidade urbana.

O ciclismo é definido sob duas formas: como “a arte de andar de bicicleta” e como “o esporte das corridas de bicicletas” (HOLLANDA, 1975, p.323). Pode-se perceber então a amplitude da primeira definição com relação à segunda.

Mas como o ciclismo se expressava nas cidades de grande portes, como as capitais em tempos de profundas mudanças como na transição dos séculos XIX e XX?

O processo de “nascimento” de uma invenção é algo complexo, e geralmente não ocorre de forma repentina. Assim foi com a bicicleta. Desde os primeiros desenhos, modelos, protótipos e esquemas que lembram, mesmo que de longe, essa máquina de duas rodas, muito tempo e avanços tecnológicos – além da dedicação de pessoas no desenvolvimento desta máquina – foram necessários até que a mesma sofresse as transformações que a fizesse ser reconhecida como a bicicleta.

Estudos dedicados à história da bicicleta geralmente apresentam registros de dois modelos com importantes antecessores. O primeiro, um desenho entre os inúmeros projetos de Leonardo da Vinci, muito semelhante à bicicleta, que não chegou a ser testado ou construído. O outro, a Draisana, máquina de madeira que consistia em duas rodas ligadas por um tronco. Inventada pelo Barão de Drassler, na Alemanha, a Draisana tinha sua utilização restrita às decidas, uma vez que se tratava de estruturas rígidas em madeira, não sendo possível a mudança de direção ou da velocidade.

Agora era o homem que controlava a máquina. Os velocípedes, como eram chamados, se desenvolveram rapidamente, e dentro de pouco tempo seria possível encontrar máquinas de duas, três e quatro rodas, construídas das mais variadas formas.

Um dos primeiros modelos, e dos mais conhecidos, era o chamado grand-bi. Como o pedal era fixado no eixo da roda dianteira, esta tinha o seu diâmetro bem maior que a traseira, aumentando assim o deslocamento a cada giro do mesmo. O banco era posicionado praticamente acima da roda motriz, o que fazia com que o ciclista se posicionasse assentado, com o tronco praticamente a 90 graus em relação ao banco.

Em 1880, talvez a mais importante modificação: a empresa inglesa Tangent and Conventry Tricycle Company lança um modelo revolucionário para a época, chamado bicyclette. Suas maiores inovações eram as rodas de mesmo diâmetro aliadas à engrenagem por corrente na roda traseira (VIGARELLO, 1988).

A invenção da engrenagem por correntes modificou completamente a forma do ciclista se posicionar sobre a bicicleta, além de, em pouco tempo, substituir por completo o grand-bi. Esses dois exemplos – o velocípede de Henri Michaux e a bicyclette de engrenagem por correntes – são importantes transformações na história da bicicleta, pois envolveram mudanças também na posição dos corpos dos ciclistas, bem como na forma de pedalar.

Guardados os devidos avanços na ciência e na tecnologia dos novos materiais, os primeiros modelos com engrenagem por correntes já se assemelhavam bastante com os atuais modelos de bicicletas encontrados no mercado. Destacamos entre eles o modelo chamado comparado Rover, de 1885, bicicleta que guarda poucas diferenças em sua estrutura, quando comparada aos modelos de passeio atuais.

As primeiras competições foram realizadas na França, já no ano de 1869, com modelos Grand Bi. Em breve, a bicicleta ganharia o mundo, e o ciclismo passaria a ser praticado em diversos países.

João Batista Nunes
Psicólogo e Acadêmico de Direito

Bibliografia

HOLLANDA, Aurélio Buarque de. Dicionário da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro; Nova Fronteira, 1998.

VIGARELLO, Georges. Passion Sport: Histoire d’une Culture. Paris: Textuel, 2000.

quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

CÍCERO


Marco Túlio Cícero nasceu em Arpino, cidade do Lácio, a 03 de janeiro de 647 da fundação de Roma e 106 antes de Cristo (a.C)[1]. O nome Cícero pertencia à família Túlio de Arpino, da gens plebeia Cláudia, que veio a ser altamente dignificada pelo incomparável orador. A História Romana, antes de Marco Túlio Cícero, só fazia menção de Cláudio Cícero, tribuno da plebe em 454 a.C.

A palavra parece derivar de cicer, “chicharo” ou “grão-de-bico”; provavelmente adotou-a como sobrenome de algum antepassado do orador que se entregara ao cultivo dessa leguminosa, à imitação dos Lêntulos, que tomaram seu nome da lentilha, e dos Fábios, derivado de faba, “fava”.

Tal hipótese é sustentada por Plínio na sua História Natural, XVIII, 3. Plutarco, porém, atribui o sobrenome a um dos indivíduos da família Túlia, que tinha no nariz uma verruga do tamanho de um grão-de-chícharo. Ainda conforme Plutarco, chamava-se Hélvia, sua mãe.

Cícero, em uma de suas obras filosóficas refere-se ao pai, que, retido no campo por motivo de saúde, entregava-se quase que inteiramente ao estudo das letras.

Marco Túlio Cícero pertencia a uma família da ordem equestre, e seu pai, ainda que afastado das lides políticas, mantinha relações com os homens mais notáveis da época.

O orador Licínio Crasso encarregou-se da educação de Marco e de seu irmão Quinto; sob a direção do mestre, Cícero ouviu, em Roma, as lições do poeta Árquias, grego, com o qual estudou os poetas, historiadores e filósofos da antiga Grécia. Cícero não descurou jamais do Latim, e, ainda jovem, começou a compor versos; abandonou, logo, a poesia, para se dedicar, inteiramente à retórica. Para esse abandono contribuiu não só o seu juízo crítico, mas também, em parte, os temas descritivos que escolhera, como Nilus; melhores não foram os seus resultados na poesia didascálica, ou na tradução dos Fenômenos de Arato; escreveu, também, um poema histórico, Marius. O seu Pontius Glaucus, em versos tetrâmetros, ainda que louvado parcimoniosamente pelos coevos, parece ser obra medíocre. O gato pela poesia, porém, jamais abandonou o admirável orador. Bem mais tarde tentou escrever um poema acerca do seu próprio consulado.

Os contemporâneos não pouco zombaram das predileções poéticas de Cícero, e Quintiliano cita um verso ciceroniano notando-lhe a horrível cacofonia (Inst. Or. IX, IV, 41; XI, I,24), verso esse que figura na X Sátira de Juvenal, verso 122:

O fortunatam natam me consule Roman! (Ó Roma afortunada, nascida sob o meu consulado!)

Aos 16 anos Cícero vestiu a toga viril; iniciou-se, a seguir, no estudo das leis e do ritual. Foram seus mestres os dois Cévolas, o áugure e o pontífice; nesses juvenis estudos tanto se distinguiu que logo escreveu um tratado sobre direito civil, segundo o testemunho de Aulo Gélio, obra que não chegou até nós: De Jure Civili in Arte Redigendo (De como fazer do direito civil uma arte), Aulo Gélio, Noctes Atticae, I, 22.

As leis romanas exigiam que todo  cidadão servisse à república, e Cícero não se furtou a essa obrigação. Em 87 a.C. tomou parte na campanha de Sila contra os confederados italianos, servindo sob as ordens do cônsul Pompeu Estrabão. De regresso a Roma, frequentou as aulas de Filão, grego natural de Larissa, cidade da Tessália, e chefe dos Acadêmicos, de Diódoto, o Estóico, e de Molão de Rodes, célebre filósofo e retor.

Com 26 anos iniciou-se Cícero no Foro, pronunciando a eloquente defesa de Quíncio, Pro Quinctio, tendo como adversário o famoso jurisconsulto Hortêncio. Por esse tempo, Crisógono, liberto de Sila, adquiriu por duas mil dracmas os bens de um homem que o ditador havia feito morrer, como proscrito; Róscio, filho e herdeiro do morto, indignado com tamanha desfaçatez, provou que os bens vendidos por tão baixo preço valiam 250 talentos. Sila que se viu convencido de injustiça, irritadíssimo contra Róscio, acusou-o, por instigação do liberto, de parricídio. 

Ninguém ousou defendê-lo, temendo a crueldade de Sila. O jovem Róscio, abandonado de todos, recorreu a Cícero; esse, atendendo aos amigos que lhe suplicavam aceitasse a causa, aproveitando, destarte, o ensejo que se lhe apresentava de entrar na carreira da glória, acedeu em defendê-lo. O sucesso dessa defesa atraiu a admiração geral sobre o novel advogado; mas o temor do ressentimento de Sila fez com que se dirigisse à Grécia, a pretexto de tratar da sua saúde um tanto abalada.

Na verdade, segundo o testemunho de Plutarco e de outros autores contemporâneos, Cícero não gozava de boa saúde; magro e descarnado, sofria do estômago, que tinha tão fraco a ponto de poder alimentar-se somente uma vez ao dia, com alimentos leves e parcos.

Na Grécia, Cícero ouviu as lições de Antíoco, o Ascalonita. Este já afastara da nova Academia e escola de Carnéades de Cirene, e abraçara a maior parte dos dogmas do Pórtico, a doutrina dos estoicos, a escola de Zenão. Cícero amava a filosofia e dedicou-se a ela com o maior entusiasmo, convencido de que um bom orador, antes de tudo, deveria ser bom filósofo. Projetava, segundo consta, renunciar à carreira de advogado e retirar-se para Atenas, a fim de viver uma vida tranquila e sossegada entregue às lucubrações filosóficas. Logo fê-lo esquecer todos os seus planos; esteve, antes, em Rodes e na Ásia, onde frequentou as escolas dos retores Xénocles, de Adramita, Dionísio, de Magnésia, península e província da Tessália, e Menipo, o Cário. Em Rodes, ligou-se estreitamente aos filósofos Apolônio Molão, de Alabanda, e Posidônio, escritor grego nascido na Síria e discípulo de Panécio.

No ano de 77 vemo-lo em Roma, e, nessa mesma época, casava-se com Terência. No ano 75, como questor, esteve na Sicília, passando depois para Siracusa, onde se diz ter descoberto a sepultura de Arquimedes. Por causa da escassez de trigo que afligia Roma, teve que enviar para a capital grandes quantidades daquele cereal, mas procedeu com tanta justiça e tamanha bondade, que conquistou as boas graças de todos os sicilianos.

Célebre ficou sua ação contra Cornélio Verres, ex-pretor da Sicília, que cometera revoltantes excessos. Nessa causa Cícero fez antes a defesa da espoliada Sicília, que ataques hostis ao desavergonhado Verres, que era apoiado por toda a aristocracia. Quinto Cecílio, cúmplice de Verres, foi seu principal contendor; seu principal contender; seu primeiro discurso contra o espoliador foi tão contundente, que o acusado não quis aguardar a sentença; foi condenado, e a fama de Cícero cresceu de vulto.

Edil em 69 e pretor em 68, apoiou calorosamente a votação da lei Manília, que concedia a Pompeu o comando supremo da campanha contra Mitridates, em substituição a Luculo, e que lhe conferia poderes extraordinários. Pompeu era, então, o chefe da oligarquia, e não foi sem repugnância que Cícero abraçou a sua causa, esperando reconciliar o Senado com os cavaleiros por meio de política mais liberal e expansiva. Não resta dúvida que, na sua atitude de apoiar Pompeu, havia muito egoísmo: o desejo de obter os favores do partido dominante e obter, assim, o consulado. Apoiado pela aristocracia, apresentou-se como candidato, juntamente com Catilina, de quem então já se suspeitava de conspirar contra a República, e que cometera incesto com a própria filha e matara um irmão. Não obstante a má fama de Catilina, a ele aliou-se para fazer a campanha eleitoral. Obteve o consulado em 63. Catilina, que não fora tão afortunado, recomeçou a maquinar contra a República. Cícero, que descobrira tais intrigas, fê-las abortar, e, apesar da oposição de César, conseguiu que o Senado o condenasse, bem assim como a seus principais cúmplices. Datam dessa época as imortais Catilinárias, quatro maravilhosas orações, cujo exórdio ameaçador e majestoso da primeira assim começa: Quousque tandem abutere, Catilina, patientia nostra? (Até quando finalmente, ó Catilina, abusarás da nossa paciência?).

O Senado e o povo romano conferiram-lhe o título de “pai da pátria, pater patriae”, libertador e novo fundador de Roma.

No seu consulado, lutou Cícero pela elevação da classe dos cavaleiros, convertendo-a em classe intermediária entre os senadores e a plebe.

Os louvores que lhe prodigalizaram e a sua natural vaidade que não perdia ocasião de se por em evidência, atraíram-lhe o despeito e a inveja de muitos, principalmente dos amigos e partidários de Catilina; passaram a chamá-lo “o terceiro rei estrangeiro”. No fim do seu consulado, quando se preparava para pronunciar o discurso que em tais casos ia fazer-se, o tribuno Metelo tomou-lhe a palavra ordenando-lhe que se limitasse a jurar não haver feito nada contra a República. Cícero exclamou: Juro haver salvo a pátria! E a multidão, excitada, a uma só voz, gritou: Juramos que dizes a verdade!

O principal crime que então se imputava a Cícero era o de ter feito executar os cúmplices de Catilina sem processo.

Clódio, patrício de maus costumes e que havia profanado os mistérios da Boa Deusa, fora acusado por Cícero de sacrílego; conseguiu sair absolvido do processo, e buscava ocasião para vingar-se. Tomou gladiadores a soldo, fez-se adotar por uma família plebeia e pode, destarte, tornar-se tribuno da plebe, logrando impor-se aos triúnviros e aos cônsules. Cícero, precavido, comprou outro tribuno,  Nônio, que se deveria opor a todos os atos do seu colega. Clódio, porém, jurou que não pretendia praticar nenhuma ação que pudesse prejudicar Cícero, e este, ingenuamente, consentiu que Nônio abandonasse a oposição; assim o caminho ficou livre para que o sacrílego pudesse agir. Sem tardança, conseguiu Clódio que se aprovasse a lei que considerava culpado todo aquele que houvesse enviado ao suplício um cidadão sem a confirmação da sentença pelo povo. Cícero compreendeu que a lei fora elaborada expressamente para ele; vestiu-se de luto, deixou crescer a barba e suplicou aos amigos que o defendessem. Também o Senado se pôs de luto; os cônsules ordenaram-lhe que voltasse a envergar a púrpura.

2000 cavaleiros, igualmente enlutados, montavam guarda à casa de Cícero, sempre insultados com soezes injúrias pelos sicários de Clódio. Luculo aconselhava-o a lutar à frente dos seus contra o sacrílego; Catão e Hortêncio, mais ponderados e experientes, admoestavam-no a que não imitasse Catilina; César convidou-o a partir em sua companhia para as Gálias, e, não tendo Cícero aceito seu convite, ficou grandemente ressentido; Pompeu abandonando-o à sua própria sorte, retirando-se para sua casa de campo, pagando, dessa maneira, com a mais crua ingratidão o apoio que o tribuno sempre lhe prestara. Cícero viu-se sozinho e desamparado, ainda que verdadeiras multidões o lamentassem; mas nada podiam fazer por ele. Clódio, da tribuna, acusou-o; o orador não teve outra alternativa senão a de exilar-se voluntariamente.

A cidade de Hipônio fechou-lhe as portas; a Sicília igualmente o rechaçou, e finalmente, um Brundísio, cidade e porto da Calábria, no sul da Itália, atual Brindes, o acolheu Lênio Flaco; mas, não se julgando suficientemente seguro, dirigiu-se para a Mísia, província da Ásia Menor, encontrando em Diráquio, atual Durazzo, cordial acolhida. Com o fito de permanecer mais perto da Pátria, dirigiu-se Tessália, onde chorou de desespero; não se suicidou unicamente por receio de ser a sua memória esquecida dos homens. Naquela oportunidade lembrou-lhe o oráculo de Delfos, que, quando da sua estada em Atenas, fora consultar: “Se quiseres a maior glória, hás de seguir não a opinião do povo mas a tua própria natureza”.

João Batista Nunes é psicólogo e acadêmico de Direito.




[1] Texto de acordo com a tradução remida do Latim de Tassilo Orpheu Spalding, in: Clássicos Cultrix, 1964.

segunda-feira, 11 de janeiro de 2016

CRISTIANO LAURITZEN E A CAMPINA DE OUTRORA


























Senhor Ministro[1], Vossa Excelência não se envergonha, como paulista brasileiro, que um estrangeiro, conquanto brasileiro naturalizado, venha de tão longe, do fundo de um lugarejo perdido nos sertões do Brasil, advogar perante o governo do país, a realização de um benefício de suas economias de pequeno comerciante, e ainda tenha o desprazer de arrostar com o desdém manifesto de um órgão do poder público?

A história rica, fértil e interminável de Campina Grande é a saga dos heróis de legendas, dos forasteiros leais que em tempos de outrora defenderam bravamente as melhores causas, lutando nas grandes batalhas em diversos campos e áreas por esta terra que os acolheu. Aqui eu destaco apenas alguns lampejos da vida e trajetória de um forasteiro ilustre, um homem que deixou sua longínqua cidade Jurlândia  na Dinamarca e depois de percorrer todo o Nordeste brasileiro escolhe Campina Grande para ser seu lar pelo resto da vida.

Quais os verdadeiros motivos que o fizeram deixar sua terra natal ainda hoje é uma incógnita. 
O fato é que, em chegando à Campina, Cristiano vindo do Recife onde se dedicava à venda de joias e compra de ouro, instruído, demonstrou que tinha sangue nas veias para lutar pelas melhores causas da Rainha da Borborema, e que mais tarde, o tempo provou, que ele tinha altivez e honra para se sobrepor a política local que, à época, já se mostrava reificada na mediocridade coronelista.

Com efeito, como muito bem destacado por Evaldo Gonçalves de Queiroz, Campina sempre teve o dom de ser uma cidade cosmopolita. Por aqui desfizeram as malas alemães, árabes, libaneses, dinamarqueses, portugueses, franceses, chineses, holandeses, sírios, japoneses, entre tantos outros, e se destacaram no comércio, na educação, saúde, religião e política. Contribuíram, juntamente com as famílias mais tradicionais da terra, para que se tornasse uma cidade destacada dentre as demais do Estado, pela inventividade e visão progressista.

Quem viveu os tempos de outrora em Campina sabia muito bem que este lugar evoluído a partir do ponto de encontro de tropeiros, tinha todos os indicadores para jamais vir a ser uma cidade, de fato. Não tinha o essencial elemento em torno do qual se enraíza as gentes: a água. Nem sequer fontes alternativas que pudesse sinalizar vantagem de se morar. Não existia expectativa senão a transitoriedade do local, nada mais. Porém, Campina nunca se rendeu a limitações por mais sérias que se mostrassem.

Sinval Odorico de Moura, Bacharel Formado em Ciências Jurídicas e Sociais pela Academia de Olinda, Oficial da Imperial Rosa, e Presidente da Província da Paraíba do Norte: Faço saber a todos os seus habitantes que a Assembleia Legislativa Provincial resolveu, e eu sanciono a Lei seguinte:
Art. Único – A Vila de Campina Grande fica elevada a categoria de cidade, conservando a mesma denominação, e revogadas as disposições em contrário.
Mando, portanto a todas as autoridades, a quem o conhecimento e execução da presente Resolução pertencer, que a cumpram e façam cumprir e guardar tão inteiramente como nela se contém. O Secretário desta Província a faça imprimir, publicar e correr.
Palácio do Governo da Paraíba, em 11 de outubro de 1864. 


Lauritzen, aqui, instalado, constitui família, desenvolveu seu comércio. Competência profissional, inclinação para a vida pública, um gentleman devotado às causas da cidade. Um exemplo de disponibilidade, espírito público, probo em suas ações. É descrito como um abnegado servidor de Campina. Elpídio de Almeida ao dar valiosa contribuição sobre a História de Campina dedicou espaço ao registro do desempenho de Cristiano Lauritzen, fazendo-lhe justiça, assim como tantos outros historiadores fiéis aos fatos mais destacados de sua evolução.
Aos 36 anos, o mancebo se casou com uma das filhas dos homens mais influentes de Campina Grande.  O sogro além de grande comerciante era também importante político, Presidente da Câmara Municipal. 

Conforme exposto por Evaldo Gonçalves, em 1885 recebia das mãos do Juiz Antônio da Trindade Meira Henriques a presidência do Partido Conservador.

Ainda de acordo com Gonçalves, com o advento da República, mereceu do primeiro Presidente, Venâncio Neiva, a confiança da escolha para membro e Presidente do Conselho de Intendência, novo órgão republicano que substituía as antigas Câmaras Municipais e que acumulavam as funções executiva e legislativa, na pessoa de seu Presidente e de dois outros membros.

Esse seu primeiro mandato durou apenas dois anos, ou seja, até 1892, tendo sido destituído pelos liberais campinenses, em face da renúncia do Marechal Deodoro da Fonseca e sua substituição pelo Marechal Floriano Peixoto. O Presidente Venâncio Neiva ficou solidário com o Proclamador da República e, por essa razão, perdeu a Presidência do Estado, levando consigo todos os seus amigos, inclusive Cristiano Lauritzen.

Nesse curto período de dois anos de administração, o campinense Cristiano Lauritzen realizou muito pela cidade. Conseguiu economizar recursos para a construção do prédio, onde iria funcionar o Ginásio Alfredo Dantas; assegurou a compra do relógio da Matriz, hoje Catedral de Campina Grande e fez uma viagem ao Rio de Janeiro para cuidar, junto aos poderes da República, da extensão da linha de ferro até à cidade que governava, como Presidente do Conselho de Intendência. Foi eleito Deputado Estadual constituinte para a elaboração da nossa primeira Constituição Paraibana, ocupando todos os espaços na vida político-administrativa campinense.

Em 1903, com seus próprios recursos pessoais e sem ser detentor de mandatos, viajou ao Rio de Janeiro, em busca de solução para a ferrovia, que deveria ligar Itabaiana à Campina Grande. Conseguiu uma audiência com o então Ministro da Viação da República; surpreendendo a todos com sua sinceridade diante da aparente insensibilidade do Ministro.
Perdão, o Sr. não me compreendeu. O Governo não se descura dos problemas que afetam a economia do país, dentro das possibilidades orçamentárias, mormente se tratando de intercomunicação ferroviária nos Estados, cujas vantagens não teríamos a inépcia de obscurecer. Posso assegurar-lhe que a secretaria, que eu tenho a honra de dirigir é a primeira a reconhecer a utilidade do que o Sr. pleiteia e, como lhe cumpre tomará as iniciativas que preliminarmente se impõem. Da sinceridade dos seus sentimentos e propósitos o Sr. pode voltar seguro à sua terra.

A cena terminou com o forte aperto de mão e palavras de aplausos do General Almeida Barreto, que disse a Cristiano Lauritzen, logo após terem deixado o Gabinete do Ministro: Você falou “rosado” ao General, só assim aquele “penedo” se mexia.”
O Jornal do Comércio, pela mão do jornalista Artur Aquiles, destacou a dedicação de Cristiano à Campina:

Inteligente, arguto, tenaz e abnegado ás próprias ideias, o distinto homem não olha a sacrifícios nem se poupa a incômodos, sempre que é preciso agir em prol do engrandecimento, não diremos de toda a Paraíba, mas da próspera comarca de Campina Grande e, sobreuto, da respectiva cidade onde, há longos anos, firmou residência, constituiu família e radicou-se definitivamente pela aquisição de invejável abastança.
[...] a sua preocupação, porém, nada tinha de comum com a dos políticos que, do partidarismo, só visam aos proventos pessoais; ao contrário, esquecia por vezes, a própria individualidade, para só saber querer e propugnar pelo engrandecimento material e moral de sua nova e pequena pátria, objetivo que o empolgou e empolga-o ainda como uma obsessão irremovível.


Do Dr. Luiz Nunes, Conselheiro, Escritor e Poeta ilustre, tomamos emprestado este depoimento, em versos:

“Fosse a Quinze de Novembro”,
Os ilustres visitantes,
Como amigos de Lauritzen,
Sentiam-se gratificantes
Com a musical visita,
E não passavam por pedantes.

Irineu Jóffily, se sabe,
Um grande historiador,
Jornalista festejado,
Registrou o seu louvor
A Cristiano Lauritzen,
De quem era opositor.

-Nossas felicitações
Vão, sim, para o cidadão
Porque ninguém, como ele,
Compreende a dimensão
E importância dessa obra
Para a nossa região.

-As grandes dificuldades
Por Lauritzen encontradas,
Esforços desenvolvidos,
Esperanças não frustradas
Traduzem o amor à terra,
Canseiras amenizadas.


João Batista Nunes é psicólogo e acadêmico de Direito.



[1] Registro das palavras de Cristiano Lauritzen (in verbis) ao General Glicério, Ministro da Viação. In: Vultos e Fatos da História, de Hortêncio Ribeiro (s/d). A ocasião tratava-se de uma audiência conseguida não facilmente pelo senador Álvaro Machado e os generais José de Almeida Barreto e João Neiva. A certa altura da conversa, Cristiano havia notado que o Ministro pouco lhe dava atenção, e quando teve que participar do diálogo, o fez de forma desinteressada, desaprovando a ideia da extensão do melhoramento da malha ferroviária de Campina (1880), objeto da reunião, como bem destacado pelo emérito historiador Evaldo Gonçalves de Queiroz em Paraíba: Nomes do Século, vol. 12, União, 2000).


domingo, 3 de janeiro de 2016

ANTIGONA DE SÓFOCLES


"Não conheces o decreto de Cleontes sobre nossos irmãos?
A um glorifica, a outro cobre de infâmia.
A Etéocles - dizem - determinou dar, baseado na lei, sepultura 
digna de quem desce ao mundo dos mortos.
Mas quanto ao pobre Polinices, infaustamente morto,
ordenou aos cidadãos, comenta-se,
que ninguém o guardasse em cova nem o pranteasse,
abandonado sem lágrimas, sem exéquias [...]"

(Antigona de Sófocles, tradução de Donald Schüler, 2010)


Édipo, rei de Tebas, era casado com Jocasta, irmã de Cleonte. Após o trágico desfecho que resultou na morte de Édipo, o trono entrou num processo de acirrada disputa dos irmãos Etéocles e Polinices, filhos do casal.

Depois de muita discussão, chegaram a um acordo: o trono seria administrado a cada ano por um dos irmãos e assim, iriam revesando anualmente. Ocorreu que o primeiro a assumir o trono, Etéocles, recusou-se a ceder a vez de seu irmão Polinices reinar sobre Tebas.

Profundamente desgostoso, o ofendido partiu para Argos, cidade rival de Tebas e lá angariou o apoio do rei para reunir um exército com o qual tomaria o trono de seu irmão.

A guerra foi travada. Sete chefes tebanos concentraram forças para resistir o exército de Argos liderado por Polinices. Soldados de ambas as forças tombados por todos os lados, a batalha intensa avançava para o foco central que a originou. Os irmãos enfim se encontraram nos lados opostos daquela sanguenta luta. Enfrentaram-se golpe a golpe numa luta cruenta. Um, com ardente desejo de reparação de uma afronta; outro, movido pela ânsia de defender a cidade, sobretudo, do avanço de um irmão ofendido.

Aquela luta entre irmãos chegou ao fim. Feridos mortalmente pelos ataques recíprocos e profundos, Etéocles e Polinices não resistem e morrem e Tebas volta a ser administrada pelo tio Cleonte.

Etéocles morreu como um herói defendendo bravamente a cidade; Polinices, recebeu em sua morte, total desprezo, sendo estabelecido que o primeiro deveria ter um funeral digno de todas as honras e quanto ao segundo, não deveria sequer ser enterrado. O corpo deveria permanecer exposto publicamente ao desprezo.

Ismena e Antigona , filhas de Édipo e também irmãs de Etéocles e Polinices, que haviam retornado à cidade, obviamente sofreram muito com aquele quadro terrível de disputa, uma espécie de extensão de maldição do pai. Mas Antigona demonstrou ainda maior sofrimento e sensibilidade diante da ordem de Cleonte em relação à Polinices.

Embora diante da lei imposta, e de guardas que foram postos para fazer cumprir a lei e não permitir que sequer alguém ousasse se aproximar do corpo desprezado de Polinices, Antigona, vai e recolhe o corpo e prepara-o para o funeral.

Antigona infringe o decreto de Cleonte por entender que existe uma lei divina, universal que transcende o poder soberano, pois existe uma lei mais antiga, natural, que diz respeito a um mínimo de dignidade devida a cada ser humano, independentemente da culpa. A valores universais que não se submetem aos caprichos de um déspotas, nem normas estabelecidas por isso, Antigona vai e prepara a cerimônia fúnebre de seu irmão Polinices.

João Batista Nunes
Psicólogo e Acadêmico do Curso de Direito