quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

PSICÓLOGO: O MITO


O rapaz, estudante secundarista, resolveu se submeter a uma entrevista de emprego numa das pequenas indústrias de metalurgia de sua cidade. Currículo em mão, com a descrição de seus dados pessoais e nenhuma experiência formal anterior que pudesse ser apresentada ao examinador da empresa. Uma indústria de pequeno porte, com pouco mais de 100 funcionários, recebeu naquela manhã fria um grupo de desempregados que resolveram tentar uma vaga oferecida pelo setor de recursos humanos. E lá estava o rapaz. O intenso frio parecia não lhe encomadar muito, na verdade, o que causava inquietação era o fato de ter pela primeira vez de se submeter a uma entrevista de emprego. Um misto de sentimentos perpassavam por sua cabeça deixando-o tenso, desconfortável. Nessas horas parece que a transpiração aumenta, as mãos suam facilmente, dedos tendem a tamborilar sobre a mesa num ritmo frenético. E, para piorar as coisas, uma voz ecoa lá de dentro: "Que entre o próximo candidato!"

O nervosismo atinge um patamar que os neurologistas chamam de "limiar do tudo ou nada", é aquele exato momento que nos impele a correr ou enfrentar de uma vez nossos temores imediatos. O rapaz entra na sala sob o olhar atento de uma senhora que aparenta ter uns 38 a 40 anos, que aperta sua mão e o convida a sentar-se.

Depois de alguns segundos que parecem ter durado uma eternidade, o silêncio é quebrado pela entrevistadora:

- Pois não?

Os lábios do rapaz já estão nitidamente ressecados e com voz trôpega ele balbucia:

- Bem, eis o meu currículo, eu vim tentar conseguir uma vaga nessa empresa.

- Você é estudante, não é? Como poderá conciliar estudo e trabalho?

Desejoso de conquistar sua independência financeira ele faz de tudo para convencer a tal entrevistadora a credenciá-lo ao emprego que estava ali tão perto, tão palpável. Tudo que ela fez foi conversar um pouco, mas sempre com um olhar tranqüilo e sereno, perscrutador, dando por fim, encerrada a entrevista com aquela fórmula aplicada aos candidatos descartados: "Obrigado por você ter vindo. Não se preocupe, nós entraremos em contato com você dentro de duas ou três semanas. Tenha um bom dia!"

Dois meses se passaram e essa empresa provalvemente nunca irá contactá-lo.

Existe disseminado nas entrelinhas dos discursos próprios do cotidiano das pessoas em geral, a falsa idéia do mito que envolve a pessoa do psicólogo como alguém que é capaz de ler pensamentos, de saber o exato momento em que mentimos ou fingimos uma dada situação. Há posturas que até contribuem para que esse mito se mantenha. E isto é danoso para ambas as partes. A empresa deixa de acolher talentos natos por causa muitas vezes de "leituras" e interpretações que não guardam relação com a pessoa entrevistada. Só porque ele transpirou, seria um instável emocional? Porque tamborilou com os dedos sobre a mesa expressando um certo nervosismo, não será porque a situação o imporssibilitou estar à vontade?

Com o passar do tempo, a acessibilidade aos meios variados de informação, o rapaz outrora candidato a vaga naquela empresa, descobre que o psicólogo é meramente um ser humano, na exata acepção do termo. Não tem poderes mágicos que o façam dizer o que eu estou pensando neste momento. Nem tem ele o atributo da onisciência para saber se faltei com a verdade naquilo que afirmei. Pelo contrário. São passíveis de erros e falsas interpretações, tanto é que, os melhores profissionais na área de psicológia sabem muito bem que não podem se distanciar da leitura costante dos postulados da psicologia, acompanhamento de pesquisas e o aprimoramento teórico e prático. Quem tem essa consciência, recebe o candidato para entrevista de selação e procura deixá-lo o mais a vontade possível, dentro das limitações formais, é claro. Rapidamente estabelece um elo de confiança recíproca. Ocasião em que, ao candidato, é esclarecido os objetivos do cargo, o que a empresa está procurando nele, quais os critérios de admissão. E então, abre-se a oportunidade franca, para que ele diga abertamente a que veio. E isto funciona tudo dentro da mais absoluta normalidade. Não havendo nenhum mito que atrapalhe a situação de entrevista.

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