segunda-feira, 9 de outubro de 2017

O SEBO DE TOINHO NA PRAÇA CLEMENTINO PROCÓPIO



Eu costumava atravessar, geralmente aos sábados pela manhã, a Praça Clementino Procópio em Campina Grande-PB, em direção ao Sebo (cata-livros) do Toinho. Dificilmente encontrava o recinto sem pessoas a procura de algum título. Trata-se de um espaço pequeno, repleto de livros, revistas, gibis, módulos didáticos de Português, Matemática, Ciência, Biologia, Literaturas, Livretos de Cordéis, Revistas científicas e de circulação nacional como a Veja, IstoÉ, Você S.A, Placar enfim.... Tem até antigos exemplares da Manchete e Tititi e das antigas novelas em fotografia preto e branco, Fitas K7, Disco de Vinil, escondidos debaixo das prateleiras alguns CD's, DVDs de artistas diversos e filmes antigos.

Toinho, o proprietário do Sebo, era um homem esguio, estatura mediana, de cor parda, e aparentava ter uns 51 a 55 anos. Seu veículo era uma já desgastada bicicleta Caloy que ninguém sabia mais qual teria sido a cor de tanta ferrugem. Ouvi seu funcionário, Lira, dizer certa vez que Toinho era Testemunha de Jeová. 

Foi ali que eu aprendi a apreciar as melhores leituras. Nem sempre com dinheiro suficiente para comprar todo o exemplar que meus olhos identificavam entre tantos e tantos títulos. Dos módulos da editora Globo de Espanhol e Francês a enciclopédia de psicologia e psicanálise (semi-nova) quando nem imaginava que o futuro iria me reservar cursar no Centro de Ciência Biológicas e da Saúde - CCBS/UEPB, o curso de Psicologia.

É claro que eu, ao presenciar várias negociações de Toinho com os clientes, percebendo a variação de preços sem muito critério, optava por ser atendido por Lira, o rapaz que era jogador do Galícia do Bairro do Monte Santo. A estratégia era a seguinte: passava o olhar nos títulos, e quando me deparava com novidades, com o que me interessava, reservava num lugar a parte e perguntava a Lira qual o preço de obras que não me interessava. 

Depois de um tempo, perguntava qual era o preço das obras que de fato me interessavam, isto sem demonstrar que por aqueles exemplares estaria disposto a pagar um pouco mais. Lira quase sempre avaliava por um preço que me deixava satisfeito. 

O sebo é um lugar de se informar coisas além. Além das obras ali expostas, um bom e seletivo ouvinte podia se inteirar sobre os assuntos que se processavam nos bastidores da política de subterrâneo, as coisas miúdas do cotidiano, o homem traído e o fato pormenorizado sobre uma gama variada de assuntos, o time do peito e tantos outros temas.

Quando trabalhava em Brasília, vim incumbido de fazer uma pesquisa minuciosa em jornais que circulavam na cidade (Diário da Borborema, Jornal da Paraíba e Correio da Paraíba) para juntar em Campina, conteúdos a partir de registros jornalísticos; e em João Pessoa, registros de mídias, qualquer coisa que se constituísse prova para ser juntada ao processo que tramitava no Tribunal Superior  Eleitoral (TSE) e depois no Supremo Tribunal Federal (STF).

Tratava-se do processo que culminou com a cassação - única da história política do Brasil - por infidelidade partidária de um deputado federal de Campina Grande, que assumiu o mandato na condição de suplente (PFL)* na vaga deixada pelo deputado Ronaldo Cunha Lima (PSDB) que abdicou do cargo. 

Pois bem, quando desembarquei em Campina naquela madrugada nebulosa, que o avião teve que arremeter para dar uma enorme volta no céu chuvoso da Rainha da Borborema, mal dormir, tendo que cedo esperar Toinho vir abrir o estabelecimento para começar a extensa pesquisa ali no interior da Praça Clementino Procópio.

Esgotadas as buscas por algum material pertinente... Toinho disse que em sua casa poderia encontra algum subsídio. Marquei com ele, e ao chegar me deparei com pilhas e pilhas de livros e jornais. Retomei a pesquisa e identifiquei algumas matérias e recortes jornalísticos que estava procurando.

Paguei o que lhe era devido e fui por João Pessoa seguindo a missão. 

Tempos se passaram. Já morando na Capital paraibana, volta e meia estava em Campina, mas dificilmente deixava de comparecer ao Sebo do Toinho para ver se me deparava com alguma obra importante, não sabendo, a princípio, qual exatamente. Uma gramática de latim da época gynasial, quem sabe. 

A vida corrida, no entanto, fez-me afastar por uns 90 dias desse espaço tão rico e ao mesmo tempo singelo. 

Quando resolvo aparecer por lá, recebo a triste notícia por boca de Lira que Toinho infelizmente havia sofrido um trágico acidente em sua casa vindo a falecer. Imaginem só, como dizia mamãe: "para morrer, basta estar vivo!" 

"Uma enorme viga de madeira do telhado da casa de Toinho se desprendeu" - disse Lira, muito triste com o ocorrido - , e atingiu fatalmente a cabeça do homem. Não resistindo a perda de sangue, foi a óbito no local. 

Novamente, depois de um lapso de tempo, tempo curto obviamente, cheguei no cata-livros do Toinho mais um colega e sentada num tamborete havia uma senhora aparentando uns 50,60 anos, cabisbaixa folheando uma revista. Ela ergueu os olhos para os dois estranhos a sua frente, quando lhe perguntei sobre Lira, o rapaz que ficou responsável pelo estabelecimento do finado Toinho.

Uma voz fraca, meio incompreensível balbuciou: "m-o-rreu!"

"-Sim, eu sei que Toinho morreu, refiro-me a Lira, o rapaz que toma conta daqui!" - Tentei clarear a situação.

"Morreu, também." Explicou-nos as circunstancias de sua morte. Estava retornando para casa no bairro do Monte Santo, conduzindo uma carroça de mão carregada de livros e revistas, rua ingrime, enladeirada, conseguiu subir até seu quarto adentrando já com dificuldades respiratórias e dores no peito. No momento de intensa aflição chamou agonizante por sua irmã e caiu perto da janela já sem vida. Foi uma parada cardiorrespiratória. Foi-se o jovem que era, inclusive, jogador de futebol de pelada. Seu enterro deu-se sob a bandeira do Time do Galícia, do qual fazia parte.

O Sebo (cata-livro) permanece lá em funcionamento, conduzido por quem não sei. Nunca mais retornei para conferir.  


João Batista Nunes é formado em psicologia, pós-graduando em GRH e acadêmico de Direito. joaobnunespb@hotmail.com

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*PFL - Partido da Frente Liberal que passou a ser DEM-Democratas, que na Paraíba é presidido pelo ex senador Efraim Morais.

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