sábado, 14 de fevereiro de 2015

A PRISÃO SEM MUROS DO PRAZER


Um rapaz, filho de pais ricos e influentes na área empresarial, cedo começou a se relacionar com mulheres. De acordo com seu próprio relato, ele experimentou tudo o que se possa imaginar como formas de prazer com suas parceiras, que eram variadíssimas. 

Logo de início experimentou a fase da ostentação, orgulhava-se de sua virilidade e poder desfilar com mulheres de todos os tipos e para todos os gostos, até chegar ao ponto de sentir um verdadeiro desprazer com o público feminino. Nada mais o atraia nelas, estava saturado e sua mente agora buscava experiências mais excitantes.

Migrou para o bissexualismo. Passou a gostar das experiências homossexuais. Mas sua mente, logo o induzia a buscar novas formas de prazer. Ele já era consumidor frequente de energéticos, passou a apreciar bebidas variadas. Aceitou as primeiras experiências com a maconha. O que para ele foi o máximo. 

Depois disso, a cocaína o levou a fantásticas experiências jamais sentidas. Foi o êxtase completo. Tão forte e envolvente que nada mais interessava senão o prazer das nights. Até o desprazer sexual de outrora havia voltado e ele agora estava com todo o vigor. 

Não se dava conta das vezes em que já não pensava mais em se alimentar. Nem se lembrava da última vez em que sentou com a família para almoçar ou jantar. Estava virando um zumbir. Às vezes ria com aquela situação, outras vezes chorava se olhando no espero e percebendo que, estranhamente, estava num caminho sem volta. 

Grandes reviravoltas, desacertos, desencontros, desalentos, desalinhos, desafetos, ilusão e pesar tornaram-se frequentes. Desacreditado e só, recusando-se quaisquer aproximações dos seus familiares, viu-se acordando no meu da chuva, embrulhado com papel de jornal junto com pessoas totalmente estranhas ao seu convívio numa das grandes pontes da cidade. 

Mas, até ali, naquela situação de completa desgraça e desumanidade, ainda assim a busca por algo mais que lhe proporcionasse prazer lhe perseguia. Ele ainda tinha algum dinheiro, mínimo que fosse para comprar do estranho sentado ao seu lado na calçada gélida, uma pedra de crack. Todo o procedimento prático veio gratuitamente. 

Foi então que ele experimentou o prazer mais imediato de sua vida. Algo tão forte e maravilhoso que o levou ao ápice de tudo que já havia experimentado antes. Era incrível. Tão acessível e... Três meses depois, sentado num banco da praça, depois de um certo tempo fixando o olhar vazio para lugar nenhum, perceberam as pessoas que passavam por ali, tratar-se de um indigente que houvera morrido com os olhos abertos. 

A busca crescente e desordenada pelo prazer pode construir uma prisão sem muros. É o prazer compulsivo que se instaura tornando senhor do comportamento, gerando crises de ansiedade incontroláveis e devastadoras, tanto na área do relacionamento sexual como nas drogas ou associadas. Só que o prazer excessivo tem seu preço alto, começando pelo consumo de energia mental e física constantes. 

O corpo não consegue acompanhar o ritmo frenético e vai sedendo por falta de reposição energética dos sais e minerais. Vai-se criando uma condição de enfraquecimento comprometedor das funções vitais fundamentais até a pessoa se tornar um zumbi, uma espécie de morto-vivo que teme a luz do sol. Para acabar de vez com esse estado, o corpo sede ao chamado da morte e pára de funcionar como um desligamento de uma máquina. 

Mas quão terrível não seria se a morte deixasse de cumprir seu papel? Essa indagação me leva a refletir sobre o romance escrito pelo dramaturgo Orcar Wilde, intitulado The Picture of Dorian Gray (1890).

Na obra, o autor tematiza de forma filosófica e provocativa o lado terrível da maldição de não-morrer. A personagem, Dorian Gray não podia fitar o próprio retrato, o que provocaria sua velhice acumulada por séculos. Sua juventude duradoura dependia desse distanciamento. 

O retrato de corpo inteiro em óleo de Basil Hallward, um artista que está impressionado e encantado com a beleza de Dorian é pintado com perfeição impressionante; acreditando que a beleza de Dorian é responsável pela nova modalidade em sua arte como pintor. 

Através de Basil, Dorian conhece Lorde Henry Wotton, e ele logo se encanta com a visão de mundo hedonista do aristocrata: que a beleza e a satisfação sensual são as únicas coisas que valem a pena perseguir na vida.

Imagine um homem, com aspecto jovial e bonito viver tanto tempo que assiste a morte sucessiva de inúmeras mulheres que amou, pelo fato de tudo em seu redor envelhecer, o tempo passando para elas e ele prisioneiro de si mesmo. O repetir dos mesmos estímulos, por mais que se tente a todo custo variar, ou avançar em direção a novos desejos, tudo perde a graça e o remédio mais eficaz que é a morte física, comum a todos os mortais, é-lhe negado.

A suma de tudo é que o melhor da vida pode ser satisfatoriamente experienciado, sendo uma dádiva o real aproveitamento dos momentos prazerosos pelos quais passamos e haveremos de passar; mas tudo com seu devido equilíbrio, pois quem não é senhor de seus impulsos inevitavelmente está fadado a uma prisão sem muros, preso e condenado pelo que lhe impulsiona a sempre buscar na mesma proporção com que se esvazia e se empobrece.

O autor
João Batista Nunes
Psicólogo Organizacional, Pós-graduando em 
Gestão de Recursos Humanos e Acadêmico de Direito.

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