TEMÍSTOCLES era Temí, dono da oficina de carro que funcionava às margens do Açude Velho na década de 1980. O terreno murado, com duas portas de madeiras recobertas com retalhos de zinco; uma pintura indicando a atividade daquele espaço. Ao lado esquerdo a industria de bebidas Caranguejo. Indo em direção ao Catolé pela Vigário Calixto, tinha-se, vizinho à oficina, uma borracharia. Depois, na esquina, a Mercearia do Galego aonde os trabalhadores daquela redondeza tomavam café e almoçavam. Descendo pela Mercearia, a igreja de Seu Geraldo e Dona Irene, que tinham virado Adventistas do 7º Dia (e que para se distinguir das demais, tinha a designação de "Renovada"). Nos fundos da oficina dava para ver a sede do Jornal Gazeta do Sertão.
Mais para frente, o DTO-Departamento de Transportes e Obras e a Gráfica Municipal. A entrada para o Catolé ficava a Igreja Deus é Amor, do Missionário David Miranda. Mão e contramão, era preciso muito cuidado com os carros.
A oficina de Temi era composta pela seguinte equipe: como chefe, o próprio dono, que também era o pintor. Seus filhos, três rapazes entre 15 e 19 anos, dentre os quais Torim, o mais feio. O mecânico Carioca. Figura de pequena estatura, roliço e barbudo; e o lanterneiro Mestre Lula, um velho que já trabalha com Temi na Capital e mudara-se com a família para Campina e se reencontrara com o amigo.
O velho Lula, que durante muito tempo fumava e bebia, tinha entrado para a lei dos crentes e agora, nas batidas de seu martelo se alternava a pregar e a cantar.
Na oficina não parava de chegar carros de todo modelo. Fusca, Variante, Kombi, enfim. Logo que se adentrava ao recinto, a pessoa se deparava com dois cilindros de oxigênio e uma mangueira do maçarico acoplada. Uma banca com várias ferramentas espalhadas, alicates, chaves 9/16, talhadeiras, martelos e tantas outras com suas devidas especificidades.
Um álbum de cores da Coral pendurado por um barbante num prego da parede disputava o espaço com um poster de uma mulher nua afixado já há algum tempo. A pistola de tinta perto da lata de dissolvente indicava que mais um carro estava pronto para ser pintado. Na quina da parede, perto do banheiro velho, ficava os tornos onde se pendurava ou as roupas comuns ou os macacões rotos e embotados de graxa preta próprio do ambiente. Bem na entrada ficava o macaco hidráulico, e mas para trás, o torno de ferro e a marreta.
Temi era um sujeito branco, de compleição forte, cara sisuda, de poucas palavras, mas competente. Logo que acertava com o cliente, o trabalho começava. Lixava-se as partes enferrujadas; desparafusava-se as portas dianteira e traseira. Ele vinha inspecionava. Preparava a massa de Blacksouda e dava para Torim espalhar sobre a superfície que havia de ser pintada. No outro dia, outro já preparava-se com a lixa para lixá-la e deixar harmonicamente fina e pronta para receber a pintura.
Era raro não ter serviços. Muitas vezes era preciso fazer serão. Assim o bate-bate do martelo na lataria de uma carro, o vai e vem da lixa noutro, e o maçarico fumegante em uma peça fazia a noite se prolongar, sob o reflexo de uma lâmpada de mercúrio das grandes iluminando o lugar.
No almoço cada um que se arranjasse com sua marmita. Aquele tradicional feijão com cuscuz, arroz branquinho, verdura e ovos estrelados e um ponche de ki-suco. Era assim o canto de trabalho que já não existe mais.
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