sexta-feira, 19 de setembro de 2014

A VEREADORA DA GENTE


Não posso descer a detalhes, mas uma coisa posso afirmar, não se trata de um personagem, não. É gente de carne e osso, que inclusive está vivinha da silva. 

Trata-se da vereadora do povo! Do povo de outrora, de tempos pretéritos! Mas, mesmo assim, do povo!

Maria é o nome da bendita. Uma autêntica mulher do povo, uma vereadora de verdade. Ainda nem amanheceu direito na casa dela, e o cheiro do café já se faz sentir lá fora. Mas, dormir, dentro ou fora de campanha política não é um benefício a que Maria tinha direito. E, ela gostava. Sentia um prazer estranho de ver aquela gente maltrapilha e de todas as cores pintadas pelas vulnerabilidade social. Aqueles rostos sofridos, fitando-a esbugalhados, cheiro de desodorante vencido, guris catarrentos, êita vida duro de parlamentar era a vida de Maria.

Lá fora, sim, no meio da chuva ou se esgueirando perto de um abrigo estava sempre o povo que lhe era fiel. Vieram apertar a mão de Maria e aproveitar para descarregar sobre a edil uma série de pequenos pedidos como remédios, enxoval, ajuda para pagar água, luz, aluguel de cortiço atrasado e tantos outros reclamos que faziam a vida de Maria um verdeiro inferno. E ela gostava daquela rotina.

Maria era convidada para aniversários, batizados, crismas e tantos outros eventos que a pobreza a convidasse para ter o brilho de sua presença. Agora também tem uma coisa: no evento que não era convidada, mesmo assim, ela fazia questão de aparecer.

Se soubesse que um popular ingressou na UTI de um hospital, lá estava Maria chorando com os familiares! As lágrimas e convulsões da ilustre vereadora acabava envolvendo os presentes e tudo se convertia num verdadeiro chororô. 

Certa feita, Maria, sempre solícita, diligente, antenada, como era, jazia na sala de espera com uns dois ou três membros da família de um velhinho moribundo que faltava pouco para dar o último suspiro. O coitado tava todo entubado. Ela procurou, de pronto, saber onde podia fazer uma ligação. Informaram-lhe que era na enfermaria. 

A ligação tinha uma certa urgência e ares de suspense. "Faça-me já um requerimento para entrar na pauta da próxima sessão! Uma moção  de pesar pelo falecimento do INESQUECÍVEL e herói do desenvolvimento de nossa cidade, o senhor Ermenegildo de Sá Oliveira! 

Na sessão plenária, lá estava Maria, toda perfumada com seu contouré inebriante e com aquele batom vermelho que combinava com o vestido de babado, todo chamativo. Um moleque, pediu para que lhe entregasse um bilhete. O teor de logo foi conhecido pelos argutos olhos de Maria: Ilustríssima Vereadora. Sinto informar a Vossa Excelência que o Senhor Ermenegildo acaba de receber alta médica do Hospital e goza de plena saúde. Sem mais para o momento, seu assessor parlamentar. Maria gostava dessas formalidades até quando era dispensável.

Sem delongas, nem rodeios, nem protelações, Maria exclamou: Questão de ordem, senhor presidente!!! Peço a retirada do requerimento Moção de Pesar inscrito nessa pauta, o homem que pensava estar morrendo, recebeu alta e tá gozando de perfeita saúde!

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