O neurologista e psiquiatra austríaco Sigmund Freud (1856-1939) escandalizou a Europa, principalmente o meio mais puritano e moralista do século XIX, ao teorizar sobre a sexualidade humana, um assunto que até então as ciências humanas não ousavam tocar.
Devo admitir que, para falar sobre certos assuntos, num rigoroso ambiente intelectual da época, exigiria coragem de qualquer um, mas Freud transpôs todos os limites ao ponto de ser satanizado e ter seus escritos rebaixados, por não poucos, à categoria das obras perversas, ou seja, um louco pervertido a serviço do desmonte da moral, virtude e bons costumes.
Mas, inequivocamente, deveu-se a Freud o crédito de ter provocado o mundo acerca dos vários aspectos que envolvem a sexualidade humana, os quais subjaziam nos porões e demais lugares obscuros de uma sociedade regida pelas conveniências das convenções sociais. Coisa assemelhada ao pai que espanca severamente e expulsa do aconchego familiar a filha que se descobre não mais virgem e, esse mesmo pai tão moralista é o mesmo freguês incorrigível dos bordéis da cidade.
Ou daquele clérigo que não hesita em excomungar um pobre coitado por desobediência a algum preceito religioso, mas esse mesmo sacerdote se vê enredado pela volúpia e atração irrefreável por alguns sob sua liderança.
Enfim, Freud ousou afirmar, no escopo de sua teoria da sexualidade (Leipzig e Viena, 1905, mais tarde, publicado e traduzido pela editora Standart, 24 volumes, sob a direção geral do Dr. Jaime Salomão) que o desvio da pulsão sexual de seu objeto incorreria, entre outras modalidades de desvios, no comportamento sexual invertido.
Em relação ao objeto, tem-se que seria o canal de indução do desejo sexual, neste caso, o homem sente desejo sexual pela mulher, e esta por ele. Quando não se dá nesse nível, essa pulsão ou instinto sexual é desviado para outro objeto, o do mesmo sexo, podendo ser uma relação homem a homem ou mulher com mulher, onde indivíduos buscam a plena satisfação e correspondência do prazer sexual.
Numa explicação pouco mais complexa, a situação do comportamento do invertido ou homossexualismo se daria num nível de defesa maníaca. Uma maneira do ego se proteger face a determinadas ansiedades de ordem essencialmente paranóide, mas também depressiva.
No que se refere às defesas maníacas a psicanálise nos permite supor, tal como abordara Melanie Klein, que elas surgem já na posição esquizo-paranóide e que estão também presentes na posição depressiva; por esta razão, as defesas maníacas podem relacionar-se às ansiedades - e mecanismos - tanto paranóides como depressivas.
O adensamento dessa discussão freudiana culminará com os "Três ensaios sobre a sexualidade", nos quais o homossexualismo assume o caráter de um "comportamento invertido", como já frisado, e que varia grandemente sob diversos aspectos.
Pode ser o invertido absoluto, no qual se estabelece a escolha do objeto sexual exclusivamente a partir de seu próprio sexo (essa escolha decorre de uma origem narcísica).
Podem haver também os invertidos anfigênicos, ou seja, os hermafroditas psicossexuais; nesse caso seus objetos sexuais tanto podem ser do mesmo sexo como do sexo oposto, não possuindo a característica da exclusividade.
Existem também os invertidos ocasionais, os expostos às influências de certas condições exteriores, como por exemplo, os presidiários, que na falta do objeto sexual normal (termo utilizado por Freud), obtém prazer com o objeto do mesmo sexo.
Em síntese: os invertidos absolutos, em muitos casos, assim que se autodescobrem homossexuais o sentimento predominante chega a ser, em muitos casos, de completa aversão ao sexo oposto; ao passo que os anfigênicos, hermafroditas psicossexuais se identificam com a bissexualidade, tendendo a pender predominantemente para um sexo, mas, não negando a possibilidade de se satisfazer plenamente com o outro. Não se constituindo em regras fixas de comportamento, é claro; e, os invertidos ocasionais, são aqueles ou aquelas que, por carência afetiva, ou alguma outra forma de envolvimento, de maneira fortuita, pouco frequente, são envolvidos em experiências sexuais homoafetivas. Geralmente, nesses casos, há sempre um cenário propício e convidativo.
Representações iconográficas apontam o lesbianismo, se permitido ou não pelas sociedades, não se há como delimitar com exatidão, como uma prática de tempos imemoriais.
Phillipe Àries pontuou esse e outros comportamento em "História da Vida Privada", volumes 1,2 e 3, comprovando uma prática, de fato, bastante antiga.
Porquê essas considerações sobre o lesbianismo? Porque não se pode esconder o fascínio existente desde o explicitado pela antropologia cultural, quando das fases nas quais o matriarcalismo era aqui e acolá, dominante.
O germe dessa dominância produziu um ser que a cultura falocrática fez questão de pintar como "sexo frágil", e tal rótulo tem escondido várias facetas dessa implicação. A mulher consegue de comunicar de múltiplas maneiras, dentre as quais, os olhos se constituem ótimos exemplos.
No jogo sexual, ela é paciente. Capaz de passar, de forma preliminar, vários minutos de contemplação da parceira, cercando-a de elogios e explorando exatamente as regiões mais prazerosas do corpo. Existe um cultuamento do corpo que se traduz como um componente essencial no longo percurso do clímax, do pico máximo de prazer.
O encontro de olhares, as carícias, a contemplação, o beijo prologado convergem igualmente para a direção do pleno prazer. É nesse item que muitos homens têm perdido a batalha da conquista, muitas vezes para outra mulher.
Estudo de caso: KMC (21 anos) diz que teve sua primeira experiência sexual com outra mulher, quando na adolescência, na casa da amiga, aonde bebeu e foi convidada a tomar banho juntas. As carícias começaram por parte da amiga e a sensação de prazer logo se tornou maior que a apreensão primeira em relação a tudo que estava acontecendo naquela ocasião. Ela afirmou que namora com um rapaz, mas não dispensa o prazer lésbico.
CRC (26 anos) Após um beijo na boca dado por uma professora ensino fundamental, "descobriu-se lésbica" e todas as suas experiências sexuais tem sido com mulheres.
ACV (41 anos) Depois de 19 anos de casamento, teve sua experiência sexual com a vizinha lésbica. Desde então, deixou o marido e passou a viver com ela noutra cidade.
As experiências sexuais com outra mulher tendem a ser, de acordo com pesquisa do comportamento sexual feminino, desenvolvida por importante Centro Médico Francês (1979) decisivas para modelagem comportamental. Geralmente tem como componente favorável a carência afetiva sentida por uma das partes, supridas a contento.
Por fim, hipoteticamente, quando a mulher tem desenvolvida uma compreensão segura do que realmente quer para sua vida, e sobre o assunto é um pouco mais inteirada, tende a ser uma conquista lésbica quase impossível se processar.
No jogo simbólico, ao contrário do homoafetivo masculino, a lésbica sempre terá a necessidade de (esgotadas todas as manobras sexuais que no início da relação dão enormes espasmos de prazer que se desgastam caindo na mesmice) de recorrer a um substituto do pênis, pois a relação termina notando a ausência insubstituível da penetração. Dai as empresas do ramo se especializarem em reproduzir todos os tipos de pênis de látex (do simples ao sofisticado) para atender aos gostos mais exigentes.
No jogo da conquista, como as demonstrações de afeto e carinho entre mulheres são comuns, naturais, espontâneas, o processo de conquista homoafetivo é algo que, em muitos casos, chega a ser camuflado levando-se o tempo julgado necessário a todo um percurso, ou pelo receio de como a outra - até então alheia a esse sentimento específico e incomum para ela - irá reagir; ou por outras razões mais complicadas envolvendo a pessoa-alvo.
A camuflagem é tão tênue que, comportamentos afetivos vão-se evoluindo do convencional ao estritamente prazer-erótico. Nesse estágio, a outra - por mais "bobinha" que tentou demonstrar ser, já percebe que se trata, na verdade de uma conquista lésbica.
Do contrário, a reação é de nojo, repugnância e total desacordo, gerando-se um clima extremamente desagradável tanto para uma como para outra, quando a relação era de amizade duradoura.
Mas uma tática infalível para se vencer as barreiras do senso moral estruturadas através das regras de convivência familiar, social e religiosa é a de se conquistar através dos encontros entre amigas regado à bebidas. Busca-se vencer resistências quando se atinge a embriaguez. As experiências sexuais lésbicas, neste caso, podem produzir dois efeitos: a pessoa se envolve e "curte" e passa a dar largueza a esse tipo de relação, de forma plena ou parcial, no caso da relação bissexual, ou a pessoa "curtiu" a experiência, mas a pulsão sexual hetero predominou.
O Autor: João Batista Nunes é psicólogo, pós-graduando em GRH e acadêmico do curso de Direito.
Fontes Bibliográficas
Buhler C. A Psicologia na Vida do Nosso Tempo. Lisboa: Fundação Caloust Gulbenkian, 1962;
Schultz, D. & Schultz, S. História da Psicologia Moderna. São Paulo: Editora Cultrix, 1981.
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