Hoje, dia 22 de setembro, Dia Mundial Sem Carro. Lá estava eu, às 5:30hs de pé, na parada de ônibus. De paletó e gravata. Pasta com alça, contendo o computador. Percebi que, naquele ponto precário, de estrutura enferrujada, sentadas nuns tijolos haviam três mulheres e duas crianças. Elas falavam exatamente sobre as maneiras bruscas com que eram tratadas por motoristas no dia a dia do vai e vem da lida. De início, ficaram meio que desconcertadas, pensando talvez o que aquele pastor estava fazendo ali naquela hora. Claro, um rapaz de paletó e gravata só podia ser um desses pastores "novasseita".
Definitivamente não era um pastor. Era apenas alguém que, naquele dia, resolveu ir ao trabalho de ônibus.
Aquelas mulheres continuaram falando, demonstrando indignação, outra parecia mostrar-se conformada com a situação por mais estranha e inadmissível que se mostrasse.
Depois de 25 minutos lá vem o ônibus. Quando entrei, o motorista logo viu que aquele passageiro não fazia parte da rotina matinal, nem do rol de pessoas que costumeiramente ele conduzia. Desembolsei duas notas de R$ 2,00 (dois reais) e recebi de troco umas moedas que não quis contar, depositando-as num dos bolsos.
Ao transpor a catraca, já me deparei com todos os assentos ocupados. Mas o pior ainda estava por vir. Nas quatro paradas seguidas, o ônibus já não cabia mais de tanta gente. Nisso, entrou uma mulher com uma criança de colo. Percebi que o pessoal que ocupavam as cadeiras da frente, fingiam ignorar a situação que exigia uma atitude de cordialidade, de bom senso, de presteza.
A depender da "boa vontade" dos que fingiam não ver, a mulher teria que se pendurar para não cair bruscamente com a criança, tais eram o solavancos e manobras bruscas do ônibus. Um trabalhador fez sinal para que ela sentasse em sua lugar.
Não demorou muito para que o ônibus ficasse completamente lotado e os passageiros começarem a resmungarem lá atrás para que o motorista não parasse mais para recolher mais gente. Era uma situação crítica. Muitas pessoas apinhadas tendo que se preocupar com o equilíbrio num espaço comprimido em face da velocidade e manobras desenvolvidas pelo motorista.
Observei que o trajeto se torna enfadonho porque aquela ônibus em vez de seguir um itinerário direto ao centro da cidade, ao Terminal de Integração, ele sai fazendo um zigue-zague pelos bairros, entrando numa rua, saindo noutra, disputando espaços com os carros particulares, e assim seguia.
As intermináveis paradas e o sobe e desce de pessoas, alguns com olhares distantes, absortos em seus pensamentos, outros cochilando e bocejando a cada parada, e eu ali em pé do mesmo jeito que entrei esperando que algum assento desocupasse.
Até que, próximo ao centro o ônibus foi ficando mais vago e eu pude me sentar, percebendo outro detalhe que pelo acumulo de pessoas era camuflado. Um barulho intenso, vindo das engrenagens do ônibus, misturava-se como o roncar do motor e o grunhir da caixa de marcha toda vez em que o motorista aumentava ou reduzia a velocidade. Outra vez tinha ouvido um paraibano que foi passar uma semana no Rio e voltou com o chiado da voz a explicar que lá os ônibus são do tipo monobloco, com os motores todos na parte traseira do veículo para se preservar a saúde do motorista e dos passageiros com excessos de barulhos desses descritos.
Aquela situação de trabalho me remeteu aos tempos da faculdade de psicologia quando aprendia, em psicologia do trabalho, os fatores de riscos à saúde do trabalhador dentre os quais o excesso desse tipo de barulho. O motorista precisaria de no mínimo um protetor auricular para permanecer naquela situação de exposição. É sem dúvida, um fator de estresse que vai se acumulando até mais alguns meses ou anos breves virar um problema maior de saúde.
No Dia Mundial "Sem Carro" percebi uma lógica totalmente diferente. Quem tem um meio de transporte por mais básico que seja, prefere enfrentar os eternos congestionamentos para ir e vir da escola, da igreja, do lazer e do trabalho, porque simplesmente não se sente motivado a utilizar o transporte público. Quando a infraestrutura das vias são melhores um pouco as empresas concessionárias do serviço de transporte público e os órgãos gestores municipais não conseguem desenvolver formas inteligentes de equacionar os fatores da qualidade e satisfação.
O ônibus, quanto mais atende ao público da periferia, dos bairros distantes e de baixo poder aquisitivo, tendem a ser mais precários. Motoristas estresssados discutindo com idosos, desenvolvendo velocidades e violentas arrancadas no embarque e desembarque de passageiros. Rotina de ônibus completamente lotados, falta de manutenção na parte mecânica para reduzir ruídos prejudiciais à saúde humana, riscos de assaltos e outros males, enfim, definitivamente, um Dia 'Sem Carro' não dá pé.
João Batista Nunes
Psicólogo e Acadêmico do Curso de Direito