Naquele
tempo, o tempo dos coronéis, donos das enormes terras e fazendas, donos de
muita gente miúda, expectadora de uma luta infindável, das velhas brigas de
seus senhores, das conquistas de mais quinhão, do desfile de vaidades e
ostentação; pois bem, aconteceu uma estória que foi passando de pai para filho,
de boca em boca, de barbearia em barbearia, de boteco a cabaré, o dito se
revivia, uns aumentavam a prosa, outros, o dito resumiam.
Era que o
coroné Antonio Pereira Silva de Gusmão, cujo pai de seu pai foi o último dono
de negros escravos, herdou da família a Fazenda Quixaba que tinha terras a
perder de vistas. Herdou também o gênio forte, o jeito truculento e a fome
voraz por mais e mais terras da região. As cabeças de boi não tinha quem
contasse de tantas que ele tinha; mas, inconformado, ainda queria mais.
Certa feita,
sabedor da grande festa de aniversário que seu vizinho coroné Belarmino mandara
fazer, homem também de grandes posses, não tão grandes quanto Antonio Pereira,
não conseguiu se conter de um sentimento que lhe consumia por dentro. Um
convite lhe havia sido feito! Que audácia!
Matutou, ruminou,
pensou... Até que um sorriso satânico lhe rasgara a cara: - Já sei o que vou
fazer! E, nisso, seus cabras se espantaram com tamanha gargalhada e resmungo
introjetado do sisudo Antonio Pereira.
Mandou um
cabra seu pegar o par de chifres maior que tivesse na fazenda. A outro cabra
mandou ir à cidade, na ligeireza de um relâmpago, à venda, comprar uma caixa de
chapéu para presente. Mandou trazer uma fita vermelha, daquelas decoradas com
bordados vinda da capital. Ele mesmo se empenhou em colocar os chifres
arrumados na caixa, enrolou a fita e... Pronto! O presente do coroné, seu
vizinho estava em ordem. Num cartão: "Com os cumprimentos do Coronel
Antonio Pereira Silva de Gusmão!".
Os meses se
passaram e o corené Berlamino toma conhecimento que, enfim, chega o dia da
festa de aniversário de conoré Antonio Pereira. Nisto, o diligente vizinho
mandou que um cabra seu fosse a cidade comprar uma caixa de chapéu para
presente. O filho de Berlamino observava de perto aquela empresa. O cabra
chegou e com presteza depositou a embalagem na mesa. Todos ali esperavam que o
sinhozim Berlamino pagasse na mesma moeda a desfeita de Antonio Pereira,
afinal, era justo que aquele diabo tivesse a mesma surpresa!
O olhar do
filho do coroné Berlamino parecia petrificado acompanhando com agudeza o
desenrolar do feito. De sua alma parecia emergir um estranho orgasmo, próprio
daqueles que guardam intensamente o desejo da vingança.
Para a
decepção da plateia ali formada, o coroné Berlamino mandou que lhe trouxessem
um boquê de flores e pusessem dentro da caixa de chapéu e, com zelo adornasse
com uma fita decorada, e a enviasse ao vizinho aniversariante.
Desgostoso,
o filho foi tomado por um silêncio sepulcral. O pai, percebendo o sentimento de
decepção extremada, perguntou qual a razão daquele rosto decaído. "Este
diabo lhe afrontou publicamente com aqueles enormes chifres em forma de
presente e, agora, o senhor lhe manda flores!!! Não entendo!". Ao que lhe
respondeu seu pai: "Filho, guarde sempre consigo esta lição: quem tem
chifres, manda chifres, quem tem flores, manda flores!"
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