segunda-feira, 4 de setembro de 2023

CAMPINA GRANDE DE LEAIS FORASTEIROS

 Parte da história de Campina Grande tem como protagonistas portugueses, árabes, dinamarqueses, que chegaram aqui e marcaram época, a exemplo do seu fundador, Theodósio de Oliveira Ledo,
de nacionalidade portuguesa


Campina Grande sempre deteve o título de cidade aco­lhedora para os que nela desem­barcam em busca de trabalho, estudos, turismo ou para quem a escolhe como recomeço de vida. Essa característica deu-se ain­da nos tempos de sua fundação, permanecendo até os dias atuais, quando se observa a chegada não só de brasileiros de várias regiões do país, mas de estran­geiros. A propósito, parte da his­tória da Rainha da Borborema tem como protagonistas portu­gueses, árabes, dinamarqueses, que nela chegaram e marcaram época, a exemplo do seu funda­dor Theodósio de Oliveira Ledo, de nacionalidade portuguesa.

Campina de Lauritzen

A cidade também tem como um dos seus primeiros prefei­tos um dinamarquês. Cristiano Lauritzen chegou ao país aos 21 anos e morou em algumas cida­des nordestinas até ir parar em Campina Grande em 1880, após residir por doze anos em Recife, capital pernambucana. Comer­ciante e fazendeiro influente, ele logo se interessou por problemas comuns que abalavam o fran­co desenvolvimento local. 

Em uma de suas viagens ao Rio de Janeiro, ele, por intermédio de amigos ricos e políticos eminen­tes, conseguiu negociar com o Governo Federal a construção da ferrovia para o escoamento do algodão da região de Cam­pina Grande. Essa obra foi um marco para a cidade, e por esse ato e engajamento em outros pleitos, em 1904, conseguiu se eleger prefeito.

Em virtude justamente desse período áureo da comercializa­ção do algodão, inúmeras outras famílias estrangeiras foram se estabelecer na Rainha da Bor­borema, que por muitos anos foi considerada a “Canaã do Nordeste”.

De acordo com os registros do século 19 do Instituto Históri­co de Campina Grande (IHCG), há referências de estrangeiros instalados na cidade, como os Agra, que são de ascendência árabe e de família numerosa que ainda reside no município até os dias atuais.

Todavia, a atividade de es­trangeiros na cidade deu-se ain­da no início de sua formação. “Desde seus primeiros tempos, Campina Grande era uma loca­lidade acolhedora para forastei­ros, que vinham atraídos pelos negócios que faziam em torno do mercado e acabavam se ins­talando na povoação em vista da demanda de ofícios para a fabricação de utensílios de uso corrente e serviços diversos da práxis social, como padeiros, açougueiros, curtidores, ouri­ves, barbeiros, alfaiates, sapatei­ros, oleiros, ferreiros ou funilei­ros”, diz o professor Vanderley de Brito, presidente do Instituto Histórico de Campina Grande. Conforme explica, por meio do português Theodósio, seus des­cendentes formaram a casta de brasões sociais que dominava o cenário político da região, “sobre­tudo os agregados vindos de Por­tugal para desposar suas filhas, que trouxeram outros sobreno­mes lusos que até hoje perduram na região”, informa.

Ele recorda que Campina Grande nasceu em fins do sé­culo 17 de uma aldeia indígena, de nativos da tribo dos bultrins, etnia cariri, e que a primeira refe­rência histórica dessa aldeia é de 1697, tratando-se de uma aldeia de vocação mercantil, ligada a colonizadores e ponto de pouso para mercadores e viajantes.

Além disso, era localizada num setor de entroncamento de estradas reais, logo se tornando “um ponto de confluência de culturas, fazendo-se uma aldeia muito movimentada e atrativa para boiadeiros, almocreves, tangerinos, trovadores, poetas, ciganos, agricultores, mascates e aventureiros”, ressalta.

Uma dessas famílias estrangei­ras instalada em Campina Grande e que ainda nela permanece é a Steinmüller. A prole pisou em terras brasileiras em 1953, perí­odo da Segunda Guerra Mundial, quando a Áustria vivia momentos de terror, com o país em escom­bros, com incertezas, desemprego em alta e fome. 

Diante do cenário, muitos de seus habitantes decidi­ram sair em busca de um lugar melhor para viver com a famí­lia. Um deles foi Wilhelm Gustav Steinmüller. “Ele deixou a mulher e três filhos pequenos na Áustria e veio somente com a cara e a co­ragem, sem nem mesmo saber falar português. Willy, como era mais conhecido, desembarcou em Recife em 12 de setembro de 1953 e logo arranjou emprego em um frigorífico. Dessa forma, teve a documentação de permanência no país regularizada e mandou buscar a família.

Com a estabilidade, a sua esposa e os três filhos, Renate, Helga e Viktor, embarcaram para uma viagem de doze dias rumo ao Brasil. “Foi um recomeço difí­cil para os Steinmüller na capital pernambucana, sobretudo por­que sua esposa não se adaptava ao calor dos trópicos, até que ele ouviu falar de Campina Grande, cidade em desenvolvimento, de clima mais ameno, que oferecia oportunidades para negócios. 

Então, com a indenização do frigorífico onde trabalhava, ele resolveu ousar e mudou-se para Campina Grande com os filhos e a esposa”, relata a professora e também membro do IHCG Ida Steinmüller, a quarta filha dessa família, já com seu nascimento registrado em Campina Grande após a mudança de endereço.

Perspicácia para manter o negócio e atrair os clientes

Os Steinmüller se estabelece­ram na cidade paraibana em 1954 e Wilhelm decidiu continuar atuan­do na mesma área em que traba­lhava na capital pernambucana, começando um negócio de con­servas e frios. Com seu jeito caris­mático, logo fez amizades e conse­guiu empréstimo junto ao Banco do Nordeste para adquirir os pri­meiros maquinários e gerir o em­preendimento. “Em um prédio no Centro da cidade, ele iniciou sua fabricação de salsicha, lingui­ça, mortadela, salame e presunto, que produzia por meio quase ar­tesanal e, em memória à sua terra, deu ao estabelecimento o nome de Salsicharia Vienense. Mas o negó­cio não prosperava porque os pro­dutos embutidos não faziam parte dos hábitos alimentares dos cam­pinenses”, conta Ida.

Ela explica que uma das carac­terísticas do pai era a perspicácia e não aceitou o fato de ter apostado todas suas esperanças em um ne­gócio para não prosperar. Confor­me suas lembranças, a professora ressalta que ele passou a obser­var os costu­mes do povo campinense, conversou com alguns, recebeu conselhos, e percebeu que as pes­soas gosta­vam mesmo era de beber. “Ele foi en­tão a Reci­fe, comprou um barril de chopp, reor­ganizou o ambiente com mesas e cadeiras e no dia 12 de novembro de 1955 inaugurou a primeira cho­peria da cidade, o Chopp do Ale­mão”, destaca.

A choperia recebeu esse nome porque Willy era tido na cidade como um alemão, visto que os campinenses não sabiam bem di­ferenciar um austríaco de um ale­mão. Assim, a família se estabele­ceu em definitivo na cidade onde nasceram mais seis filhos: a pro­fessora Ida e seus irmãos Otto, Ro­berto, Rudolf, Elisabeth e Franz.

“Willy foi genial, pois seu ob­jetivo de transformar a salsicha­ria em lugar também de encontros alegres para consumo de chopp ti­nha a estratagema de habituar os campinenses a saborear seus em­butidos, que entravam a pretexto de aperitivo. De chapéu de feltro com uma peninha verde, típico de tirolês, ele mesmo servia o chopp com espuma e em canecas de vi­dro e seu negócio era semelhante as tabernas, com arcos e tijolinhos à mostra, gerando um ambiente da tradicional cultura dos povos germânicos em Campina Gran­de”, ressalta.

A novidade logo cativou os boêmios e a choperia virou point da cidade. Ele morreu em 1966, mas o negócio ficou na família e até hoje o Chopp do Alemão per­manece em funcionamento no Centro de Campina Grande.


*Matéria publicada originalmente com o título "Terra de Forasteiros", na edição impressa do Jornal A União, de 03 de setembro de 2023.

sábado, 8 de julho de 2023

A MEMÓRIA SOCIAL DAS MARIAS LAVADEIRAS E ENGOMADEIRAS DO JEREMIAS

 


Sim, era comum serem vistas lavadeiras e engomadeiras de roupas até nas calçadas das frentes das casas nos idos de 1980 no bairro do Jeremias em Campina Grande, Paraíba. Nessa época, o governador era Tarcísio de Miranda Burity e Ronaldo Cunha Lima vencia as eleições de 1982 como o prefeito mais bem votado daquele pleito.

O bairro, situado na zona norte da cidade, limite entre os bairros da Palmeira, Monte Santo e Araxá, era formado em sua maioria por famílias de baixa renda, gente muito simples e pobre, prevalecendo o analfabetismo e a desqualificação profissional. 

Em tempos de chuvas, era possível ver verdadeiras cachoeiras que deslizavam ladeiras abaixo com acúmulos de lamas que desaguavam no bueiro na parte de baixo do Jeremias, herança dos governos anteriores. Enivaldo Ribeiro, prefeito anterior, ainda fez uma enorme escadaria de cima a baixo, mas a estrutura foi levada por completo no início do inverno.

Naquele instante de tempo, o Jeremias acumulava homens e mulheres trabalhadoras envolvendo todas as ocupações tradicionais que podiam render algum dinheiro para a feira do mês. Nesse ponto, o ônibus da Cabral era lotado aos sábados de gente dividindo espaço com suas cestas vindas da Feira Central. 

As ocupações eram diversas. Pedreiros, ajudantes, pintores, oficineiros, chapeados (homens que descarregavam cargas de caminhões nos armazéns), mecânicos, costureiras, cozinheiras, empregadas domésticas (hoje, designadas como cuidadoras, secretárias do lar), vigias, parteiras, vendedores, prestanistas, padeiros, carvoeiros, comerciantes e assim por diante. 

Mas dentre todas essas, destacavam-se a de lavadeira e engomadeira de roupas. Mulheres que ajudavam a renda da família trabalhando em casas de gente grã-fina, geralmente em distâncias que davam para ser percorridas diariamente a pé como o bairro do Monte Santo e o Alto Branco.

Essas mulheres costumavam ajustar o ganho por semana ou quinzenal. Elas pegavam um lençol e faziam uma grande trouxa de roupas que traziam com a ajuda de uma rodilha de cabeça para equilibrar o fardo. Uma vez em casa, esbaforida, descansava para preparar o almoço, e depois, começar no tanque improvisado no quintal, onde a roupa trazida já aguardava.

Era utilizado um aditivo para embranquecer determinadas peças, chamado de anil. Um quadradinho azul que servia também para tornar mais coloridas as roupas de estampa e cores específicas.

Depois de lavadas, as roupas eram colocadas, umas para quarar e outras para enxugar nos varais que davam voltas no quintal e na frente das casas. Tudo bem feito, com modéstia e zelo. 

Depois que todas as roupas estavam enxutas. Eram colocadas num cesto. Dai, começava outro processo: o de engomar. Uma bacia pequena com água e um pouco de goma era esperada ao canto da mesa. Lá fora, no quintal, no fogareiro de cimento, o fogo já com uma quantidade de carvão em brasas, pronto para abastecer o reservatório do ferro de engomar. Tratava-se de uma peça rudimentar, que se abria para acomodar as brasas de carvão. 

Com um pequeno lenço, com a delicadeza de gestos, a mulher ia trabalhando peça por peça, dando a devida atenção a cada detalhe e organizando uma após outra, bem dispostas, engomadas e cheirosas o que iria formar envolto no lençol o todo completo de seu trabalho.

Havia, inescapavelmente, os dramas de histórias tristes envolvendo mulheres que viviam com homens alcoólatras e violentos. Desses que sempre estavam recebendo a visita punitiva do comissário de polícia do bairro. Eram vidas amarguradas que trabalhavam muitas vezes para garantir o sustento da família. Mulheres sofridas, de semblantes decaídos, marcados pelos pesares da vida, mas sempre determinadas em suas ocupações.

E assim a lida se firmava ao longo dos anos com elas trazendo seus fardos, rua a cima, rua abaixo, em passos firmes e feições silentes. 

João B Nunes