Uma geração inteira cresceu convivendo com as rotinas de um personagem caricato do Bairro do Jeremias*, era Ratinho, conhecido também como Gunço.
Ele cresceu alí desde cedo, andarilho. Pegava a lotação da Viação Cabral e ficava para cima e para baixo sem sossegar o facho em casa. Mas se tinha alguma coisa que conseguia prender a atenção daquele rapazinho que nasceu com síndrome de Down, com acentuada feição do mongolismo, era uma campanha política.
Conhecido dos principais atores políticos de Campina Grande, ele tinha acesso livre em todo comício que se fizesse no Jeremias ou redondeza. Furava qualquer ajuntamento onde a organização tentasse impedir o acesso.
O dom da elocução estava nele. Era comum vê-lo transitar nas ruas do bairro fazendo longos discursos à sua maneira. Segurando um microfone invisível e com impostação de voz, saia gritando frases de efeitos próprias dos políticos.
E os próprios políticos davam cabimento, e assim, um, dois ou três minutos que lhe passavam o microfone, diante da multidão que acompanhava o comício em palanques montados em caminhão, eram suficientes para acalentar, mesmo que pouco tempo, aquele sonho tão ensaiado por Gunço.
A imagem que utilizamos nessa postagem foi, na verdade, um "santinho" que circulou nas eleições de 1988: "Ruim por ruim - Vote em mim. Ratinho 88." Iniciativa de Marconi da gráfica.
Essa provocação foi suficiente para Ratinho se trajar com um paletó que precisava de alguns ajustes pelo tamanho exagerado, e a gravata distonante com o arranjo todo, e sair por quase Campina inteira, fazendo longos discursos e incorporar a figura de um político em plena campanha eleitoral.
Muita gente ficava se perguntando se aquilo era verdade, se ele realmente estava registrado como um candidato. A brincadeira durou apenas o tempo da Justiça Eleitoral chamar o feito à ordem, e acabar com aquela brincadeira.
Com o passar do tempo, Ratinho, o Gunço do Jeremias, ficou íntimo dos principais personagens políticos da cidade. Transitava livremente pela casa de Ronaldo Cunha Lima, com outros políticos ia para veraneios e assim por diante.
Almas caridosas ligadas a essas famílias de políticos cuidaram de outros males de Ratinho, gastando com tratamentos clínicos que tornaram a vida de Gunço menos sofrida.
Apesar disso, era possível vê-lo sempre fumando, às vezes, bêbado, e houve tempo também que ele até entrou para a lei do crentes, andando arrumado, com gravata e bíblia na mão, depois saiu da igreja e, num compasso menos agitado, talvez pela idade, segue sua vida pelas ruas do Bairro do Jeremias.
João Batista Nunes
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*Um dos mais antigos bairros populares de Campina Grande, Estado da Paraíba, Nordeste do Brasil.